Espera…
Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…
Sonetos sobre Sombra
243 resultadosL
Memórias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!Tristes lembranças! e que em vão componho
A memória da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!Ide-vos; que em tão mísera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
Só é certa a presente desventura.
Retrato da Beleza Nova e Pura
Retrato da beleza nova e pura
Que com divina mão, divino engenho,
Amor retratou na alma, onde vos tenho
Das injúrias do tempo mais segura,Não mostreis aspereza em tal brandura,
Por vos vingar de mim, vendo que venho
a tanta confiança, que detenho
Os olhos em tamanha formosura.O resplendor do Céu, sem dar mais pena
A quem olha seus raios em direito,
A vista só por breve espaço assombra,Mas vossa luz mais clara, mais serena,
Juntamente me cega, e abrasa o peito:
Vede o Sol que fará, de que sois sombra!
Ela Ia, Tranquila Pastorinha
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha…“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vão…
Seu vulto perde-se na escuridão…
Só sua sombra ante meus pés caminha…Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastoraSó sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…
Luar
Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tímidas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
Vão penumbrando as coisas cristalinas.Rasga o silêncio a nota chã, plangente,
Da Ave-Maria, — e então, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorrosEsbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilínea compridão dos mortos.
Coração Solitário
A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua – é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.Música indefinida a encher a solidão:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.
XLIII
Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma víbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!Não era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:Pois como no letargo a fantasia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor não deu favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.
Redenção
I
Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!II
Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.
Linda Inês
Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.Ó Linda, sonha aí, posta em sossêgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!
A Fermosura Fresca Serra
A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me está (se não te vejo) magoando.Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.
Lirial
Por que choras assim, tristonho lírio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P’ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do círio?!Baixa a mim, irmã pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do Martírio;
Envolto da tristeza no delírio,
Deixa beijar-te a face que descora!Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa, onde não pousa a desventura.Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir à sombra da ventura!
Toda Palavra
Toda palavra voa nebulosa
até chegar latente ao nosso chão.
Pousa sem pressa ou prece em mansa prosa
caída chuva breve de verão.Toda palavra se abre generosa
para abrigar segredos num porão
lá onde sobram sombras sinuosas
levantando a poeira no perdão.Toda palavra veste-se vistosa
para fazer afagos na paixão
uma pantera em paz, porém tinhosa.Toda palavra enfim é explosão
que o mundo só é mundo por osmose
pois há um outro ser no coração
Meu Coração
Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…
O Coração – II
A solidão é perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao último sonho. A solidão
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz é negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teoremade ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efémerae longínqua, trovão engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.
X
Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lírios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.Os poentes sepulcrais do extremo desengano
Vão enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…
Saudade do Teu Corpo
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade…Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
Vês?! A saudade é um escultor antigo!
O Remorso
Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. CumpridaNão foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Amaritudo
Só por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma íntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.À beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?
Lírio Lutuoso
Essência das essências delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lírio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do Martírio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mágicas estradas.Acompanha-me sempre o teu perfume,
Lírio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.
Visão Guiadora
Ó alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de música aflitiva.Alma de acerbo, amargurado exílio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.