Sonetos sobre Sombra de Raimundo Correia

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Sonetos de sombra de Raimundo Correia. Leia este e outros sonetos de Raimundo Correia em Poetris.

Banzo

Visões que na alma o céu do exílio incuba,
Mortais visões! Fuzila o azul infando…
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O NĂ­ger… Bramem leões de fulva juba…

Uivam chacais… Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estrelada das árvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba…

Como o guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto…
Fuma o saibro africano incandescente…

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
Do baobá… E cresce na alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente…

Anoitecer

Esbraseia o Ocidente na Agonia
O sol… Aves, em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpuras raiados,
Fogem… Fecha-se a pálpebra do dia…

Delineiam-se, além, da serrania
Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia…

Um mundo de vapores no ar flutua…
Como uma informe nĂłdoa, avulta e cresce
A sombra, á proporção que a luz recua…

A natureza apática esmaece…
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trĂŞmula, trĂŞmula… Anoitece.

O Monge

-“O coração da infância”, eu lhe dizia,
“É manso.” E ele me disse:-“Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas…”

Falei-lhe entĂŁo na glĂłria e na alegria;
E ele-alvas barbas longas derramadas
No burel negro-o olhar somente erguia
Ă€s cĂ©rulas regiões ilimitadas…

Quando eu, porém, falei no amor, um riso
SĂşbito as faces do impassĂ­vel monge
Iluminou… Era o vislumbre incerto,

Era a luz de um crepĂşsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!…

Fetichismo

Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vĂŁo: – Que cĂ©us habita
Deus? Onde essa regiĂŁo de luz bendita,
ParaĂ­so dos justos e dos crentes?…

Em vĂŁo tateiam tuas mĂŁos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dĂşvida atroz blasfema e grita,
E onde há sĂł queixas e ranger de dentes…

A essa abĂłbada escura, em vĂŁo elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; Ă© tudo em torno trevas…

Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que Ă© o ruĂ­do dos teus prĂłprios passos!…

Julieta

A loura Julieta enamorada,
Triste, lânguida, pálida, abatida,
Aparece radiante na sacada
Dos raios brancos do luar ferida.

Engolfa o olhar na sombra condensada,
Perscruta, busca em torno… e na avenida
Surge Romeu; da valerosa espada
Esplende a clara lâmina polida…

Sente-se o arfar de sĂ´fregos desejos,
Estoura no ar um turbilhĂŁo de beijos,
Mas o dia reponta!… Ă“ indiscreta

Da cotovia matinal garganta!
Ă“ perigo do amor, que o amor quebranta!
Ă“ noites de Verona! Ă“ Julieta!