Sonetos sobre Sombrios

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Sonetos de sombrios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido

Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!

Cabelos

I

Cabelos! Quantas sensações ao vê-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsões de um rio
Passa na noite cálida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.

Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂŞncias fatais, da nostalgia…

Auréola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
Lânguida Noite da melancolia!

VI

P. SiĂŁo que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas…
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.

As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao CĂ©u as cĂşpulas benditas.

As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os ungĂĽentos brancos
dos nigromantes de mortais aromas…

Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruĂ­nas de cidades mortas.

Ilha

Deitada Ă©s uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tĂŁo alongadas
com tĂŁo prometedoras enseadas
um sĂł bosque no meio florescente

promontĂłrios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planĂ­cie adolescente

Deitada Ă©s uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro sĂł que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

II

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:

NĂŁo vĂŞs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
NĂŁo vĂŞs ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias
Nas porções do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Alma Ferida

Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,

Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.

Mesmo na Dor espera com clemĂŞncia
E sobe Ă  sideral resplandecĂŞncia,
Longe de um mundo que só tem peçonha.

Das ruĂ­nas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!

A Noite

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o Ă©ter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridĂŁo do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custĂłdia do anĂ­mico registro
A planetária escuridĂŁo se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnĂ­moda e complexa
Os olhos fundos dos que estĂŁo com medo!

MĂşsica Da Morte

A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂşpia dolorosa…

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…

E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ă“pio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina…

Em Busca

Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tĂŁo outro, tĂŁo mudado…
Sem desvendar a causa, o Ă­ntimo cuidado
Que sofro do meu mal — o mal de que provenho.

Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
NĂŁo sei do meu amor, saĂşde nĂŁo na tenho,
E a vida sem saĂşde Ă© um sofrer dobrado.

A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, Ă  hora do sol-posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros…

E à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo sĂł, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros…

O Beija-Flor

Acostumei-me a vĂŞ-lo todo o dia
De manhĂŁzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim – a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, sĂł me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro…
Vinha trazer Ă s rosas o primeiro
Beijo do Sol, n’essa manhĂŁ tĂŁo fria!

Um dia, foi-se e nĂŁo voltou… Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho…

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!

LXXIV

Sombrio bosque, sĂ­tio destinado
À habitação de um infeliz amante,
Onde chorando a mágoa penetrante
Possa desafogar o seu cuidado;

Tudo quieto está, tudo calado;
Não há fera, que grite; ave, que cante;
Se acaso saberás, que tens diante
Fido, aquele pastor desesperado!

Escuta o caso seu: mas nĂŁo se atreve
A erguer a voz; aqui te deixa escrito
No tronco desta faia em cifra breve:

Mudou-se aquele bem; hoje Ă© delito
Lembrar-me de Marfisa; era mui leve:
Não há mais, que atender; tudo está dito.

No Seio Da Terra

Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.

Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que tĂŞm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.

As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…

Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!

Se Ă© Doce

Se Ă© doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se Ă© doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce Ă© ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Insânia De Um Simples

Em cismas patolĂłgicas insanas,
É-me grato adstringir-me, na hierarquia
Das formas vivas, Ă  categoria
Das organizações liliputianas;

Ser semelhante aos zoĂłfitos e Ă s lianas,
Ter o destino de uma larva fria,
Deixar enfim na cloaca mais sombria
Este feixe de células humanas!

E enquanto arremedando Eolo iracundo,
Na orgia heliogabálica do mundo,
Ganem todos os vĂ­cios de uma vez,

Apraz-me, adstricto ao triângulo mesquinho
De um delta humilde, apodrecer sozinho
No silĂŞncio de minha pequenez!

Os Mochos

Sob os feixos onde habitam,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.

E assim permanecerĂŁo
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredĂŁo.

Do seu exemplo, tirai
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitai

O bulĂ­cio e o movimento…
Quem atrás de sombras vai,
SĂł logra arrependimento!

Tradução de Delfim Guimarães

Perante A Morte

Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lágrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.

Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a PaizĂŁo que sĂł no horror floresce…
A alma precisa de silĂŞncio e prece,
Pois na prece e silĂŞncio nada teme.

SilĂŞncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da morte e os seus aspectos reverentes…

SilĂŞncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!

O Condenado

Folga a justiça e geme a natureza – Bocage

Alma feita somente de granito,
Condenada a sofrer cruel tortura
Pela rua sombria d’amargura
– Ei-lo que passa – rĂ©probo maldito.

Olhar ao chĂŁo cravado e sempre fito,
Parece contemplar a sepultura
Das suas ilusões que a desventura
Desfez em pĂł no hĂłrrido delito.

E, à cruz da expiação subindo mudo,
A vida a lhe fugir já sente prestes
Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo.

O mundo Ă© um sepulcro de tristeza,
Ali, por entre matas de ciprestes,
Folga a justiça e geme a natureza.

Olhos Suaves, que em Suaves Dias

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:

Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrĂ­sona voz perturba os ares:

Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!

CrepĂşsculo

A Julia Lyra

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruĂ­na…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Ser

Cansada expectativa tĂŁo ansiosa
que ser sĂł eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que nĂŁo serei nunca, fervorosa

minha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calha

lá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,

de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
Viver Ă© isto, quando se Ă© sĂł vida.