Sonetos sobre Sombrios

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Sonetos de sombrios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

XX

Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, lĂ­mpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila…

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranqĂĽila!

AusĂŞncia

Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausĂŞncia!… Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada…

Procuro desviar o pensamento…
mas oiço ao longe a tua voz molhada
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida assim, tĂŁo separada!

Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes — perdidos de saudade…
crispando amargamente os meus desejos!

E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!

Luar

Ao longo das lourĂ­ssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nĂ­tido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarĂŁo em flocos d’escomilha.

Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nĂ­vea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…

Ofélia

Num recesso da selva Ă­nvia e sombria,
Estrelada de flores, vicejante,
Onde um rio entre seixos, espumante,
Cursando o vale, tĂşrgido, fluĂ­a;

A coma esparsa, lĂ­vido o semblante,
Desvairados os olhos, como fria
Aparição dos túmulos, um dia
Surgiu de Hamlet a lacrimosa amante;

SĂ­mplices flores o seu porte lindo
Ornavam… como um pranto, iam caindo
As folhas de um salgueiro na corrente…

E na corrente ela também tombando,
Foi-se-lhe o corpo alvĂ­ssimo boiando
Por sobre as águas indolentemente.

A Teodoro de Banville

De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufiĂŁo de esquina.

Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.

O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a tĂşnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —

TrĂŞs vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, rĂ©pteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?

Tradução de Delfim Guimarães

Luz Dolorosa

Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As Estrelas dos límpidos Sacrários
A nĂ­vea Lua sobre a paz dos fenos.

Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários…
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos…

Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias…

Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisĂ­veis
Com o tĂłxico das cĂłleras sombrias…

MĂŁe

Olha, meu filho! quando, Ă  aragem fria
De algum torvo crepĂşsculo, encontrares
Uma árvore velhinha, em modo e em ares
De abandono e outonal melancolia,

NĂŁo passes junto dela nesse dia
E nessa hora de bênçãos, sem parares;
Não vás, sem longamente a contemplares:
Vida cansada, trémula e sombria!

Já foi nova e floriu entre esplendores:
Talvez em derredor, dos seus amores
Inda haja filhos que lhe queiram bem…

Ama-a, respeita-a, ampara-a na velhice;
Sorri-lhe com bondade e com meiguice:
— Lembre-te, ao vê-la, a tua própria Mãe!

MĂŁe…

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mĂŁos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sĂ­tio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mĂŁe!

No Jardim Das Oliveiras

“Minh’alma Ă© triste atĂ© Ă  morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.

“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.

Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

A Meu Pai Doente

Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tambĂ©m, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!

Que cousa triste! O campo tĂŁo sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, meu Pai?! Que mĂŁo sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!

– Seria a mĂŁo de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus nĂŁo havia de magoar-te assim!

Minha Alegria

Minha alegria foi no teu caixĂŁo;
Deitou-se ao pé de ti, na sepultura,
A fim de acalentar teu coração
E tornar-te mais branda a terra dura.

Por isso, é para mim consolação
Esta sombria dĂ´r que me tortura!
E ponho-me a cantar na solidĂŁo,
Meu cantico esculpido em noite escura!

Consola-me saber minha alegria
Longe de mim, perto de ti, na fria
Cova a que tu baixaste apoz a morte.

FĂ´ste tu que m’a deste, meu amĂ´r;
Agora, dou-t’a eu: Ă© a minha flĂ´r;
Eu quero que ela soffra a tua sorte.

Vem, oh Noite Sombria

Vem, oh noite sombria, e revolvendo
O longo açoite, que à carreira acende
As fuscas Éguas, sobre a terra estende
De sombras carregado o manto horrendo:

Vem: e as brancas papoilas espremendo,
Em letárgico sono os mortais prende;
Que a minha bela Aglaia hoje me atende,
A meu amor mil glĂłrias prometendo.

Se às minhas vozes dás benigno ouvido,
Encobrindo com teu escuro manto
Os suaves delĂ­rios de amor cego;

Imolar-te prometo agradecido
Um negro galo, que em contĂ­nuo canto
Se atreve a perturbar o teu sossego.