Sonetos sobre Sonhos de Florbela Espanca

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Sonetos de sonhos de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

CastelĂŁ da Tristeza

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor …
E nunca em meu castelo entrou alguém!

CastelĂŁ da Tristeza, vĂȘs? … A quem? …
– E o meu olhar Ă© interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pĂŽr …
Chora o silĂȘncio … nada … ninguĂ©m vem …

CastelĂŁ da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais? …

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? … Porque anseias? …
Que sonho afagam tuas mĂŁos reais? …

Princesa Desalento

Minh’alma Ă© a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma Ă© a Princesa Desalento…

Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavĂ­ssimo, que anseia,
PÔe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantåstico e gelado,
A sombra duma cruz Ă  tua porta…

À Tua Porta Há um Pinheiro Manso

À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…

E, Ă  noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

A Voz da TĂ­lia

Diz-me a tĂ­lia a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vĂȘs: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…

E de manhĂŁ o sol Ă© uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mĂŁos as mĂŁos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E Ă  minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”

E, ao ver-me triste, a tĂ­lia murmurou:
“JĂĄ fui um dia poeta como tu…
Ainda hĂĄs de ser tĂ­lia como eu sou…”

A Nossa Casa

A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde estĂĄ ela, Amor, que nĂŁo a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
ConstrĂłi-a, num instante, o meu desejo!

Onde estĂĄ ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
SerĂĄ mais puro e doce que uma asa?

Sonho… que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mĂŁos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num paĂ­s de ilusĂŁo que nunca vi…
E que eu moro – tĂŁo bom! – dentro de ti
E tu, Ăł meu Amor, dentro de mim…

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos lĂ­mpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pĂĄlidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…

De mĂŁos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento nĂŁo baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…

Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dĂĄ rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguĂ©m que dobra a curva duma estrada…

Sobre A Neve

Sobre mim, teu desdém pesado jaz
Como um manto de neve…Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!

Coroavas-me inda pouco de lilĂĄs
E de rosas silvestres…quando eu era
Aquela que o destino prometera
Aos teus rĂștilos sonhos de rapaz!

Dos beijos que me deste nĂŁo te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas…
Folhas de Outono e correria louca…

Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
HĂĄ-de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!

Mais Alto

Mais alto, sim! Mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se nĂŁo encontra! Aquela a quem

O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser ĂĄguia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A IntangĂ­vel
Turris Eburnea erguida nos espaços,
À rutilante luz dum impossível!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!

AngĂșstia

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cĂĄ dentro, muito a sĂłs,
Estrangular a hidra num momento!

E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no cĂ©u – Ăł sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! …

E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: “O que te resta? …”

Ah! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

Falo de Ti Ă s Pedras das Estradas

Falo de ti Ă s pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo Ă s gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidĂŁo das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitĂłria,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fĂșlgidos da glĂłria,
São astros que me tombam do regaço!

Em Busca do Amor

O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, Ă  chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu … olhou … e riu …

Agora pela estrada, jĂĄ cansados,
Voltam todos pra trĂĄs desanimados …
E eu paro a murmurar: “NinguĂ©m o viu! …”

Tarde De MĂșsica

SĂł Schumann, meu Amor! Serenidade…
NĂŁo assustes os sonhos…Ah! nĂŁo varras
As quimeras…Amor, senĂŁo esbarras
Na minha vaga imaterialidade…

Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
PĂ©talas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pĂł de oiro o ar da tarde!

Eu olhava para ti…”Ă© lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
— Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —

Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pĂĄlpebras descidas,
Do ritmo dos teus cĂ­lios sobre os olhos…

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida nĂŁo tem norte,
Sou a irmĂŁ do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguĂ©m vĂȘ…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquĂȘ…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Maria das Quimeras

Maria das Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P’las flores d’oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh’alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh’alma, AlguĂ©m, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d’oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que Ă© que esperas?…
Aonde estĂŁo os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?…

Esquecimento

Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor entĂŁo escureceu,
E foi longĂ­nqua toda a claridade!
Ceguei…tacteio sombras…que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro…
A sombra dos meus olhos, a escurecer…
Veste de roxo e negro os crisĂąntemos…

E desse que era meu jĂĄ me nĂŁo lembro…
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!…

Caravelas

Cheguei a meio da vida jĂĄ cansada
De tanto caminhar! JĂĄ me perdi!
Dum estranho paĂ­s que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e nĂŁo sei nada.
E as torres de marfim que construĂ­
Em trĂĄgica loucura as destruĂ­
Por minhas prĂłprias mĂŁos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei Ă  vida, e nĂŁo voltaram!…

Sol Poente

Tardinha… “Ave-Maria, MĂŁe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarĂ”es d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!

Horas que tĂȘm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantåsticos outroras,
De sonhos que nĂŁo tenho e que eram meus!

Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…

Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pĂĄlida boca desfolhando…