NĂŁo Choreis os Mortos
NĂŁo choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridĂŁo das sepulturas.
Deixai crescer, Ă solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vĂŁos adormecidos.E quando, Ă tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidĂŁo sem fim dos que sĂŁo vivos,
Dos tristes que nĂŁo podem esquecer.E, ao meditar, entĂŁo, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como Ă© suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.
Sonetos sobre Sorte
99 resultadosNo mundo quis o Tempo que se achasse
No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tĂŁo longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.Mas, segundo o que o CĂ©u me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.
Soneto XXII
Ao mesmo
Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.Usou c’o inferno deste prĂłprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.
Soneto V – Ă€ Sra. Marieta Landa
Disseste a nota amena d’alegria,
E, arrebatado entĂŁo nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh’alma aos cĂ©us subia.Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.És anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rápido transporte?!Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mĂŁos teu Porvir, teu bem, teu fado.
Essa Aritmética
Antes, eu era apenas metade
de um Ser, a pervagar sem rumo certo,
Ă procura ideal dessa unidade
que Ă© como um novo mundo descoberto.Enquanto sĂłs, que somos? Um deserto
a nos pesar com sua imensidade,
existir só começa, a céu aberto,
quando dois sĂŁo um sĂł – eis a verdade!Eu vinha por aĂ, aos solavancos,
como se diz: aos trancos e barrancos,
um pedaço a rolar, uma metadede um Ser, mas quis a sorte, nos achamos,
e ao nos somarmos, nos multiplicamos
nessa aritmética da felicidade.
Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo
Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol cĂrculos traço.Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.
Nasceu-te um Filho
Nasceu-te um filho. Não conhecerás,
jamais, a extrema solidĂŁo da vida.
Se a nĂŁo chegaste a conhecer, se a vida
ta nĂŁo mostrou – já nĂŁo conhecerása dor terrĂvel de a saber escondida
até no puro amor. E esquecerás,
se alguma vez adivinhaste a paz
traiçoeira de estar só, a pressentida,leve e distante imagem que ilumina
uma paisagem mais distante ainda.
Já nenhum astro te será fatal.E quando a Sorte julgue que domina,
ou mesmo a Morte, se a alegria finda
– ri-te de ambas, que um filho Ă© imortal.
Arrependimento
Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alĂvio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
NĂŁo vale o que te dei de encantamento.Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.Hoje, ambos Ă mercĂŞ de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que nĂŁo te esqueça.Padecemos idĂŞntico suplĂcio:
Tu – corroĂda de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifĂcio.
O Apaixonado
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dúrer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.Devo fingir que há outros. É mentira.
SĂł tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
A Morte, esse Lugar-Comum
É trivial a morte e há muito se sabe
fazer – e muito a tempo! – o trivial.
Se nĂŁo fui eu quem veio no jornal,
foi uma tosse a menos na cidade…A caminho do verme, uma beldade
— não dirias assim, Gomes Leal? —
vai ser coberta pela mesma cal
que tapa a mais intensa fealdade.Um crocitar de corvo fica bem
neste anúncio de morte para alguém
que nĂŁo vĂŞ n’alheia sorte a prĂłpria sorte…Mas por que nĂŁo dizer, com maior nojo,
que um menino saiu do imenso bojo
de sua mĂŁe, para esperar a morte?…
Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado
Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂŞncio me rodeia
Neste deserto bosque, Ă luz vedado!Jaz entre as folhas ZĂ©firo abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂŞncio total da Natureza.
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂşmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visões da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
JuĂzo
Quando, nos quatro ângulos da Terra,
Troarem as trombetas ressurgentes,
Despertadoras dos mortais dormentes,
Por onde um Deus irado aos homens berra:Prontos, num campo, em apinhada serra,
Todos nus assistir devem viventes
Ao JuĂzo Final e ver, patentes,
Seus delitos, que um livro eterno encerra.EntĂŁo, aberto o CĂ©u, e o Inferno aberto,
Todos ali verĂŁo: e a sorte imensa
Duma mágoa sem fim, dum gozo certo.Verão recto juiz pesar a ofensa
Na balança integral, e o justo acerto,
Dando da vida e morte igual sentença.
Humildade Secreta
Fico parado, em ĂŞxtase suspenso,
Ă€s vezes, quando vou considerando
Na humildade simpática, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂ´meno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.De onde não sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂmpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.
Dai Me Ăśa Lei, Senhora, De Querer Vos
Dai me ĂĽa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sĂ´ pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
fará que fique em lei de obedecer vos.Tudo me defendei, senão só ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi nĂŁo chegar a contentar vos,
ao menos que não chegue [a] aborrecer vos.E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida nĂŁo consente,
dai ma, Senhora, já, seja de morte.Se nem essa me dais, é bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.
Minha Culpa
A Artur Ledesma
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivĂ©m…Como a sorte: hoje aqui, depois alĂ©m!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!…Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estátua truncada de alabastro…
Uma chaga sangrenta do Senhor…Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…
XVIII
Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mĂŁo esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um nĂŁo sei quĂŞ, que nĂŁo se entende;Levantar me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mĂsero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tĂŁo triste agouro cuidadoso
SĂł me lembro de Nise, e de mais nada.
Mas adonde Irei Eu
Mas adonde irei eu, que este nĂŁo seja,
Se a causa deste ser levo comigo?
E se eu prĂłprio me perco, e me persigo,
Quem será que me poupe ou que me reja?Porque me hei-de queixar do Tempo e Inveja,
Se eu a quis mais fiel ou mais amigo?
Fui deixado em si mesmo por castigo:
Triste serei em quanto em mim me veja.Esta empresa que em mim tanto em vĂŁo tomo,
Esta sorte que em mim seu dano ensaia,
Esta dor que minha Alma em mim cativa.VĂłs sĂł podeis mudar. Mas isto como?
Como? Fazendo que a minha alma saia
De mim, senhora, e dentro de vĂłs viva.
Desengano
A pensionista pálida que gosta
(Fundada pretensĂŁo!) que a digam bela,
E do colégio, à tarde, na janela,
Para dar-me um sorriso se recosta;Que me escreve nas férias, de Bemposta,
Aonde vai visitar a parentela,
Pedindo-me que não me esqueça dela
E dando-me uns beijinhos…, pela posta;Essa ninfa gentil dos olhos pretos,
Essa beleza de anjo… oh, sorte varia;
Vergonha eterna para os meus bisnetos!Com um pançudo burguês, uma alimária
Que nĂŁo a sabe amar, nem faz sonetos,
Vai casar-se amanhã na Candelária.
Da Mundana Lida, Eis Que Cansado
“Minha vida Ă© um montĂŁo de ruĂnas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tĂŁo crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que Ă© demais sofrer-se assim!