Soneto XIX
Qual mísera Calisto, quando atenta
Que abrindo o dia vão ao largo estanho
As mais estrelas a seu doce banho,
Só com seu Plaustro só ficar lamenta,Tal, quando me a memória representa
Banharem-se outros nesse mar estranho,
De graças mil gosando bem tamanho,
A falta dessa glória me atormenta.E como inda que irada Juno a tolha
Decer ao mar, não deixa em noite clara
Ferir nele seus raios do alto assento,Assi, por mais que a sorte em tudo avara
Para si deste corpo a parte escolha,
Livre, porém, me fica o pensamento.
Sonetos sobre Sorte de Vasco Mouzinho de Quebedo
3 resultadosSoneto XXII
Ao mesmo
Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.Usou c’o inferno deste próprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.
Soneto XX
Duvidam se a escultura é mais perfeita
Ou se a pintura, que esta da cor fina
E sombras se orna, aquela mais se assina
Quanto mais desbastada e mais desfeita.Mas se ua estátua houver despois de feita
Das cores, da pintura e sombras dina,
Como obra nunca vista e perigrina,
Quão fermosa seria, e quanto aceita.Esta sois meu Jesus, onde não falta
Sombra e cor da Pintura, e de tal sorte
Que à escultura sereis novo modelo:Disfeita a carne, o sangue vos esmalta
Sombras, sobre as de açoutes, as da morte
E sobre tudo, sobre todos belo.