Sonetos sobre Tarde de Augusto dos Anjos

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Sonetos de tarde de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

MĂĄgoas

Quando nasci, num mĂȘs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existĂȘncia nos verdores
Da infĂąncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infĂąncia nunca teve flores!

Volvendo Ă  quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă  Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mĂĄgoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

O Mar

O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha Ă© uma eterna sepultura
Banhada pela imĂĄcula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; sĂł descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cĂąndida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidĂŁo das fragas,
Onde a quebrar-se tĂŁo fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que jĂĄ nĂŁo arde,
Treme na treva a pĂșrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!

O Coveiro

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.

LĂĄ encontrei um pĂĄlido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro

Da morte, que matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chĂŁo,
Ali jazia o seu amor primeiro!

Depois, tomando a enxada gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente: –
“Ai! Foi por isso que me fiz coveiro!”

No Campo

Tarde. Um arroio canta pela umbrosa
Estrada; as ĂĄguas lĂ­mpidas alvejam
Com cristais. Aragem suspirosa
Agita os roseirais que ali vicejam.

No alto, entretanto, os astros rumorejam
Um pressĂĄgio de noute luminosa
E ei-la que assoma – a Louca tenebrosa,
Branca, emergindo Ă s trevas que a negrejam.

Chora a corrente mĂșrmura, e, Ă  dolente
Unção da noute, as flores também choram
Num chuveiro de pétalas, nitente,

Pendem e caem – os roseirais descoram
E elas bĂłiam no pranto da corrente
Que as rosas, ao luar, chorando enfloram.

Ecos D’alma

Oh! madrugada de ilusÔes, santíssima,
Sombra perdida lĂĄ do meu Passado,
Vinde entornar a clĂąmide purĂ­ssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a Ășltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer entĂŁo risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-LĂĄctea da IlusĂŁo que passa!

O CaixĂŁo FantĂĄstico

CĂ©lere ia o caixĂŁo, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberratórias abstraçÔes abstrusas!

Nesse caixĂŁo iam talvez as Musas,
Talvez meu Pai! HoffmĂąnnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditĂłrias e confusas!

A energia monĂĄstica do Mundo,
À meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal cĂ©rebro cheio…

Era tarde! Fazia muito frio.
Na rua apenas o caixĂŁo sombrio
Ia continuando o seu passeio!

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”