Sonetos sobre Tarde

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Sonetos de tarde escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ciclo

ManhĂŁ. Sangue em delĂ­rio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!

Dia. A flor – o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta Ă  voz dos pássaros… Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glĂłria e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hĂłstia da idĂ©ia em perfeição… Pensar!

Noite. Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas… Lembrar!

Hora MĂ­stica

Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.

E, oh! hora mĂ­stica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

Infante

Dá-me o sol a minha fronte. Doloridos
e chagados meus pĂ©s descalços vĂŁo fugindo…
– MemĂłrias dos meus doidos passos incontidos!
– Ă“ meu rumor do mundo em pĂ©talas abrindo!

Ó corças que correis pela tarde desferindo
o balido ligeiro que alonga os ouvidos…
– Tarde de Ă©cloga e mel silvestre reluzindo…
– Minhas vinhas de vinhos de oiro nĂŁo bebidos…

Desfolham-se ilusões e vĂŁo-se sem apegos…
Murchou a flor dos meus desejos com que pude
a vida transformar em Ăłcios e sossegos…

Que lucrei, eu, Senhor! com horas execráveis
dum sonho que perdeu meu corpo de virtude?
– o prĂłdigo que fui dos erros inefáveis!

Espiritualismo

Ontem, Ă  tarde, alguns trabalhadores,
Habitantes de além, de sobre a serra,
Cavavam, revolviam toda a terra,
Do sol entre os metálicos fulgores.

Cada um deles ali tinha os ardores
De febre de lutar, a luz que encerra
Toda a nobreza do trabalho e — que erra
Só na cabeça dos conspiradores,

Desses obscuros revolucionários
Do bem fecundo e cultural das leivas
Que são da Vida os maternais sacrários.

E pareceu-me que do chĂŁo estuante
Vi porejar um bálsamo de seivas
Geradoras de um mundo mais pensante.

Estar Assim, Assente na Saudade

Estar assim, assente na saudade,
com todo o peso repousando em si,
a prende Ă  luz da sua antiguidade
parando na de aqui.

Concentra-se na sua densidade.
A tarde, Ă  volta, ilustra no perfil
uma penumbra de profundidade
de onde o azul aviva a luz de Abril.

E a juventude adensa-se na tarde.
Agrava, ao lume duma paz antiga,
o modelado meditar. O ar de

estar ao centro de um amor que diga
quanto está perto da sua eternidade
este toque de luz na rapariga.

Lágrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos

Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidĂ©rio…
Raios de luz, fantásticos, divinos!…

Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…

Brisas suaves, virações amenas,
LĂ­rios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…

Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse ProdĂ­gio singular e mago!!…

O Mar

O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha Ă© uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; sĂł descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidĂŁo das fragas,
Onde a quebrar-se tĂŁo fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a pĂşrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!

Soneto III

A D. FernĂŁo Martins Mascarenhas quando o fizeram Bispo.

Espanta crecer tanto o Crocodilo
SĂł por seu acanhado nascimento,
Que se maior nascera, mais isento
Estivera d’espanto o pátrio Nilo.

Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical novo ornamento,
Pois no ventre o imortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois visti-lo.

Tardou, mas veio, que a quem mais merece
Muito mais tarde vir o prémio é certo,
E sempre tarda, inda que venha cedo.

Os CĂ©us, que do primeiro estĂŁo mais perto,
Mais devagar se movem; quem soubesse
Trás d’aquele segredo, este segredo?

NĂŁo Choreis os Mortos

NĂŁo choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridĂŁo das sepulturas.
Deixai crescer, Ă  solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vĂŁos adormecidos.

E quando, Ă  tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidĂŁo sem fim dos que sĂŁo vivos,
Dos tristes que nĂŁo podem esquecer.

E, ao meditar, entĂŁo, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como Ă© suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.

A uma Mulher

Pra vĂłs sĂŁo estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!

Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do ParaĂ­so
NĂŁo passar de uma Ă©cloga Ă  vista do meu!

E os cuidados que vĂłs podeis ter sĂŁo apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Frutas De Maio

Maio chegou — alegre e transparente
Cheio de brilho e mĂşsica nos ares,
De cristalinos risos salutares,
Frio, porém, ó gota alvinitente.

Corre um fluido suave e odorescente
Das laranjeiras, como dos altares
O incenso — e, como a gaze azul dos mares,
Leve — há por tudo um beijo, docemente.

Isto bem cedo, de manhĂŁ — adiante
Pela tarde um sol calmo, agonizante,
Põe no horizonte resplendentes franjas.

Há carinhos, da luz em cada raio,
Filha — e eu que adoro este frescor de maio
Muito, mas muito — trago-te laranjas.

Minha Terra

A. J. EmĂ­dio Amaro

Ă“ minha terra na planĂ­cie rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pĂŁo e a minha casa…

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmĂŁo nasceu…
Aonde a mĂŁe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…

Truz… truz… truz… Eu nĂŁo tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, Ă© quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!

Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂ­midas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silĂŞncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorros

Esbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilĂ­nea compridĂŁo dos mortos.

Onde o Homem nĂŁo Chega

Onde o Homem nĂŁo chega tudo Ă© puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo Ă© claro e auroral: a noite, o escuro.

E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?

Foi o Homem, com suas mĂŁos de barro,
com suas mĂŁos perjuras, fel e sarro
de inĂştil sofrimento e vil prazer.

Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.

Sem um Filho te Apagarás no Poente

A luz real ergueu-se a oriente
com a coroa de fogo na cabeça:
e o nosso olhar, vassalo obediente,
ajoelha ante a visão que recomeça.

Enquanto sobe, Sua Majestade,
a colina do céu a passos de oiro,
adoramos-lhe a adulta mocidade
que fulge com as chamas dum tesoiro.

Mas quando o carro fatigado alcança
o cume e se despenha pela tarde,
desviamos os olhos já sem esperança:

no crepúsculo estéril nada arde.
Assim tu, meio dia ainda ardente,
sem um filho te apagarás no poente.

Tradução de Carlos de Oliveira

Ăšltimas Vontades

Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,

Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovĂ­vel, era
Espelho de pés leves, depois lassos!

E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento…

— Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!

Ă‚ngelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂşsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, Ă©bria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

O Coveiro

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.

Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro

Da morte, que matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chĂŁo,
Ali jazia o seu amor primeiro!

Depois, tomando a enxada gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente: –
“Ai! Foi por isso que me fiz coveiro!”

Uma Doença Cúmplice

uma doença cúmplice, marcas púrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂşria

que há no sacrifício
e te põe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistência

do silêncio é como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂşstia.

O Sexo

Neste corpo, a densa neblina, quase um hábito,
lentamente descida, sedimento e sede,
subtilmente o acalma. Ancora que se desloca,
movediça e infirme. Só no olhar, além

da luz e da cal, se distinguem os desejos
e a mestria das palavras. E não há remos
nem astros. Convido a neblina a esta
mesa de chumbo, onde nada levanta o fogo

solar ou os signos se alteiam. É a hora
em que o corpo treme e a sombra lavra as frouxas
manhãs. O que serão as tardes, sob a névoa,

quando o vigor agoniza e o vão das águas abre
o caos e os ecos? Estaremos em paz,
usando a palavra, Ăşltima herdeira das areias.