Sonetos sobre Tempo de Luís de CamÔes

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Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mågoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chĂŁo de verde manto,
Que jĂĄ coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que nĂŁo se muda jĂĄ como soĂ­a.

Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata

Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;

E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂȘ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;

Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva jå sua mudança.

Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.

No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse

No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tĂŁo longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.

Mas (segundo o que o CĂ©u me tem mostrado)
jĂĄ sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho jĂĄ, que nĂŁo a tenho.

O Raio Cristalino S’estendia

O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.

Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no CĂ©u, assi dezia:

-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;

que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.

O Dia Em Que Eu Nasci, Moura E Pereça

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
nĂŁo o queira jamais o tempo dar,
nĂŁo torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.

s pessoas pasmadas de ignorantes,
as lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava

Num bosque que das Ninfas se habitava
SĂ­lvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nĂŒa ĂĄrvore sombria,
as amarelas flores apanhava.

Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta Ă  sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.

A Ninfa, como idĂłneo tempo vira
para tamanha empresa, nĂŁo dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.

As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ó pastores! fugi, que a todos mata,
senĂŁo a mim, que de matar me vivo.

Coitado! que em um tempo choro e rio

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossĂ­vel;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisĂ­vel;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Que Vençais No Oriente Tantos Reis

Que vençais no Oriente tantos Reis,
que de novo nos deis da Índia o Estado,
que escureceis a fama que ganhado
tinham os que a ganharam a infiéis;

que do tempo tenhais vencido as leis,
que tudo, enfim, vençais co tempo armado,
mais Ă© vencer na pĂĄtria, desarmado,
os monstros e as Quimeras que venceis.

E assi, sobre vencerdes tanto imigo,
e por armas fazer que, sem segundo,
vosso nome no mundo ouvido seja,

o que vos dĂĄ mais nome inda no mundo,
Ă© vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
tantas ingratidÔes, tão grande enveja!

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento,
qualquer alma farĂŁo segura e forte;
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
tĂȘm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento
e nĂŁo sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que Ă© mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.

Doctos varÔes darão razÔes subidas,
mas sĂŁo experiĂȘncias mais provadas,
e por isso Ă© melhor ter muito visto.

Cousas hĂĄ i que passam sem ser criadas
e cousas criadas hĂĄ sem ser passadas,
mas o melhor de tudo Ă© crer em Cristo.

O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora

O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidĂŁo, qualquer dureza;
Mas nĂŁo pode acabar minha tristeza,
Enquanto nĂŁo quiserdes vĂłs, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.

Em PrisÔes Baixas Fui Um Tempo Atado

Em prisÔes baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem jĂĄ quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor nĂŁo quer cordeiros, nem bezerros;
vi mågoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
sĂł por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu jĂĄ’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo apĂłs si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.

A Morte, Que Da Vida O NĂł Desata

A Morte, que da vida o nĂł desata,
os nĂłs, que dĂĄ o Amor, cortar quisera
na AusĂȘncia, que Ă© contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrĂĄrias, que ĂŒa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
ĂŒa Ă© RazĂŁo contra a Fortuna austera,
outra, contra a RazĂŁo, Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potĂȘncia
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;

porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da AusĂȘncia,
do Tempo, da RazĂŁo e da Fortuna.

Dos Ilustres Antigos Que Deixaram

Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama Ă  memĂłria,
ficou por luz do tempo a larga histĂłria
dos feitos em que mais se assinalaram.

Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada ĂŒa tĂŁo notĂłria,
vencera a menor delas a mor glĂłria
que eles em tantos anos alcançaram.

A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vĂĄrios caminhos,
estĂĄtuas levantando no seu Templo.

VĂłs, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom JoĂŁo, com melhor nome
a vĂłs encheis de glĂłria e a nĂłs de exemplo.

O dia em que nasci moura e pereça,

O dia em que nasci moura e pereça,
NĂŁo o queira jamais o tempo dar;
NĂŁo torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Foi JĂĄ Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi jĂĄ num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vĂŁo, caduco e dĂ©bil esperar!
Como se desengana ĂŒa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crĂȘ que hĂĄ de durar!

Quem jĂĄ se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razĂŁo tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranharĂĄ o costumado.