Poveiro
Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na Agoa quizera com vocĂŞs morar:
Trazer o lindo gorro de trez cores,
Mestre da lancha Deixem-nos passar!Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De ha tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andaes no mar!Ă“ meu Pae, nĂŁo ser eu dos poveirinhos!
NĂŁo seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!No alto mar, ás trovoadas, entre gritos,
Promettermos, si o barco fĂ´ri intieiro,
Nossa bela á Sinhora dos Afflictos!
Sonetos sobre Tempo
228 resultadosO Tempo Gastador de Mil Idades
O Tempo gastador de mil idades,
Que na décima esfera vive e mora,
NĂŁo descansa co’a FĂşria tragadora,
De exercitar, feroz, suas crueldades.Ele destrĂłi as Ănclitas cidades,
As egĂpcias pirâmides devora:
Sua dentada fouce assoladora,
Rompe forças viris, destrĂłi beldades.O bronze, o ouro, o rĂgido diamante,
A sua mĂŁo pesada amolga e gasta
Levando tudo ao nada, em giro errante.Como trovĂŁo feroz rugindo arrasta,
Quanto cobre na Terra o sol radiante,
SĂł da Virtude com temor se afasta.
O Primeiro Filho
A virgem de ontem é já hoje mãe:
O leito azul e branco do noivado
Ei-lo, em bem pouco tempo, transformado
Num berço onde existe mais alguém.Na rósea alcova atapetada, além,
Uma velhota, ex-noiva do passado,
Beijando o pequenito com cuidado,
Diz: — Bom tempo em que eu fui assim, também.No entanto a boa mãe cheia de Graça,
Estende-se no leito, exausta e lassa,
Cercada duma auréola de luz.E beijando o filhito que adormece,
Olhada assim, de sĂşbito, parece
A Virgem MĂŁe a acalentar Jesus…
Soneto XXXII
Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tĂmida e lavada,
eu saĂa a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que nĂŁo sĂŁo barcos de ouro os meus ideais:
sĂŁo feitos de papel, sĂŁo como aqueles,perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e nĂŁo voltaram mais!
Primavera
Passei a Primavera de meus anos
Com maternais desvelos amorosos.
Com meiguices, afagos carinhosos,
Com mimos de solĂcitos afanos.Desenfaixado dos primeiros panos,
Pus-me em pé, dei passinhos vagarosos,
Logo corridas, saltos brincalhosos,
Travessuras de meninais enganos.Nesta idade infantil da Primavera,
Com outros meus iguais brincões folgava.
Ah, quĂŁo gostoso, entĂŁo, o tempo me era!Inocente brincar sĂł me encantava:
Feliz, se aqui ficando eu conhecera
A força do prazer que desfrutava!
Soneto Da Perdida Esperança
Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa.
A rua Ă© inĂştil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princĂpio do drama e da flora.NĂŁo sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
porque nĂŁo? na noite escassacom um insolĂşvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nĂłs gritamos: sim! ao eterno.
Anarda Temerosa De Um Raio
Bramando o céu, o céu resplandecendo,
belo a um tempo se via, e rigoroso,
em fugitivo ardor o céu lustroso,
em condensada voz o céu tremendo.Gira de um raio o golpe, não sofrendo
o capricho de uma árvore frondoso:
que contra o brio de um subir glorioso
nunca falta de um raio o golpe horrendo.Anarda vendo o raio desabrido,
por altiva temeu seu golpe errante,
mas logo o desengano foi sabido.NĂŁo temas (disse eu logo) o fulminante:
que nunca ofende o raio ao céu luzido,
que nunca teme ao raio o sol brilhante.
ReminiscĂŞncia
Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pântanos um branco lĂrio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio vĂ©u das noivas do martĂrio!Pedia esmola — pequena e sĂ©ria —
Os seios, pastos de eternal delĂrio,
Cobertos eram de uma cor cinérea —
Seus olhos tinham o brilhar do cĂrio.Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…Ria-se — cĂnica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!
Nerah
(Inspirado no elegante conto de VirgĂlio Várzea)
A VĂtor LobatoNerah nĂŁo brinca mais, nĂŁo dança mais. — E agora
Que vĂŁo-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tĂmidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.Seus sonhos de cristal, translĂşcidos, antigos
Se vĂŁo embora, embora Ă vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os Ăşmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.NĂŁo canta o sabiá que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.Em tudo a fina seta aguda de aflições!
Na própria atmosfera um caos de interjeições!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.
A Giganta
No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava Ă terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pĂ©s d’uma rainha!Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razĂŁo, aos seus jogos terrĂveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensĂveisPercorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E Ă s vezes, no verĂŁo, quando no ardente soloEu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente Ă sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!Tradução de Delfim Guimarães
Eu Cantei Já, E Agora Vou Chorando
Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tĂŁo confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.Cantei; mas se me alguém pergunta: -Quando?
-Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta Ă© mais que os erros?
Podes, Ăł Tempo, Entrar: Eu Te Convido
Podes, Ăł Tempo, entrar: eu te convido
A ser hóspede meu, que eu nunca faço
Distinção quando és bom ou mau, pois passo
Os meus dias, de ti nunca esquecido.Ou me batas Ă porta, enfurecido,
Envolto em furacões, com torvo braço,
Ou entres brandamente, passo a passo,
Cum sorriso na boca apetecido:Ou me sejas contrário, ou venturoso,
Eu me acomodo a ti e a pouco custo,
Se visitar-me vens, tempestuoso.Às tuas intenções sempre me ajusto.
Tu, a quem pensa, Ă©s sempre proveitoso:
Feliz quem te ama sem pavor nem susto.
Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remĂ©dio, o tempo, os Fados?Se nĂŁo tivĂ©reis já longa exp’riĂŞncia
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vĂłs a resistĂŞncia.Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo nĂŁo curou, nem larga ausĂŞncia,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?
Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro
Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tê-lo dentro nesta alma só procuro.De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, sĂł para meu amor Ă© sempre Maio.Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidĂŁo tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.
A FelĂcio Dos Santos
FelĂcio amigo, se eu disser que os anos
Passam correndo ou passam vagarosos,
Segundo sĂŁo alegres ou penosos,
Tecidos de afeições ou desenganos,“Filosofia Ă© esta de rançosos!”
Dirás. Mas não há outra entre os humanos.
NĂŁo se contam sorrisos pelos danos,
Nem das tristezas desabrocham gozos.Banal, confesso. O precioso e o raro
É, seja o céu nublado ou seja claro,
Tragam os tempos amargura ou gosto,NĂŁo desdizer do mesmo velho amigo,
Ser com os teus o que eles sĂŁo contigo,
Ter um só coração, ter um só rosto.
RemissĂŁo
Tua memĂłria, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vĂŁo se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.Mas, pesares de quĂŞ? perguntaria,
se esse travo de angĂşstia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exĂlio das palavras,
senĂŁo contentamento de escrever,enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?
New York
Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…
Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais
Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!
Ditoso Seja Aquele Que Somente
Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mágoa do pecado.
Do Tempo que Fui Livre me Arrependo
O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.