LXIX
Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!
Sonetos sobre Ternos de Cláudio Manuel da Costa
3 resultadosLXXXII
Piedosos troncos, que a meu terno pranto
Comovidos estais, uma inimiga
E quem fere o meu peito, é quem me obriga
A tanto suspirar, a gemer tanto.Amei a Lise; é Lise o doce encanto,
A bela ocasião desta fadiga;
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga
Em um tormento, em um fatal quebranto?Deixou-me a ingrata Lise: se alguma hora
Vós a vêdes talvez, dizei, que eu cego
Vos contei… mas calai, calai embora.Se tanto a minha dor a elevar chego,
Em fé de um peito, que tão fino adora,
Ao meu silêncio o meu martírio entrego.
V
Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.