Sonetos sobre Terra de Vasco Mouzinho de Quebedo

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Soneto XXI

As RelĂ­quias de S. Cruz de Coimbra

Aquela Águia gentil de vista estranha
A Cristo viu, co’ a mão de estrelas chea,
SolĂ­cito, qual anda o que semea
C’os olhos longos no que ao longe apanha.

Lavrador foi no mundo, e com tamanha
Sede que inda de lĂĄ fruito granjea.
Mas ai Senhor, em terra e triste area,
Mal estrelas se dĂŁo, pouco se ganha.

Bem sabe Cristo o que semea, e onde:
As vivas mortes sĂŁo de mortas vidas
(Que hoje neste sagrado templo esconde)

Estrelas, que de carne estĂŁo vistidas.
A quem semea seu valor responde,
E bem, donde as semea merecidas.

Soneto II

A D. Manuel de Lencastre.

Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.

Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha ĂĄrvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.

Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂșria imensa
Cada hora espero pela derradeira.

Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O CĂ©u, nem pode a terra, inda que queira.

Soneto XXXV

Eclipsou-se teu Sol quando nascia,
Em flor cortada foi tua doce vida,
Antes de ser ganhada, foi perdida,
Deixou seus dias antes de seu dia.

Aparecer entĂŁo nos parecia
Quando a jĂĄ vimos desaparecida,
Enfim, moça fermosa, estås rendida
À lei humana envolta em terra fria.

Ai Amor, quantas vezes te condenas!
Criaste-me nesta alma ua esperança,
Deixas roubar-ma a morte sem valer-me.

Mas bem entendo, Amor, que isto me ordenas
Para vir a saber a quanto alcança,
PerdĂȘ-la, sem perder-te, com perder-me.

Soneto VIII

Da virtude que move os CĂ©us depende
Todo o bem, toda a glĂłria e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.

Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glĂłria mais que vida ou ser pretende.

Mas nem hĂĄ-de faltar essa virtude
Se não c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.

EntĂŁo para que nunca mais se mude,
Se mudarĂĄ, e mudar-se Amor nessa hora,
SerĂĄ para outro Amor que sempre dura.

Soneto XXXXVII

Como depois de tanta idade de ano
Agora o CĂ©u vos dĂĄ, Jacinto, Ă  terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.

Foi descuido do CĂ©u, ou foi engano
Da terra, que sem CĂ©u mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?

Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que Ă  CatĂłlica Igreja se aparelha.

Filhos na mocidade o CĂ©u lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.

Soneto XI

LĂĄ nua estranha e solitĂĄria terra,
De gente e nação bårbara habitada,
O metal nobre nĂŁo se estima em nada
Que embalde seu valor e preço encerra.

Ouro, com que se arrea e move guerra
A coraçÔes, a Dama delicada,
Serve lĂĄ de grilhĂŁo, que em apertada
Corrente a malfeitores fecha e cerra.

Nace esta confusão e diferença
Do muito que uns o seu valor alcançam,
E do pouco que de outros se conhece.

Julguem do Sol, e sua glĂłria imensa
Os olhos d’Águia, já que todos cansam,
Que sĂł para tais olhos resplandece.