Nerah
(Inspirado no elegante conto de VirgĂlio Várzea)
A VĂtor LobatoNerah nĂŁo brinca mais, nĂŁo dança mais. — E agora
Que vĂŁo-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tĂmidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.Seus sonhos de cristal, translĂşcidos, antigos
Se vĂŁo embora, embora Ă vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os Ăşmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.NĂŁo canta o sabiá que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.Em tudo a fina seta aguda de aflições!
Na própria atmosfera um caos de interjeições!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.
Sonetos sobre TĂmidos de Cruz e Souza
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Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂmidas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.Rasga o silĂŞncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorrosEsbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilĂnea compridĂŁo dos mortos.
Madona Da Tristeza
Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂmida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ă“ da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!
VisĂŁo Da Morte
Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intĂ©rminos, desertos…Do teu perfil os tĂmidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lĂvidos martĂrios,
De agonies, de mágoa funerária…E causas febre e horror, frio, delĂrios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarĂŁo dos cĂrios!
Floripes
Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂŞmulos anelos.Traços ligeiros, tĂmidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂŞncias do teu sono.
Imaginai Um Misto De Alvoradas
Imaginai um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quês suaves de açucena
C’os magos prantos bons das madrugadas!…Imaginai mil cousas encantadas…
O tĂmido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas…Que encontrareis entĂŁo em Julieta
O tipo sĂŁo, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!…E sentireis um fluido magnĂ©tico
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,
Bem como a voz dos langues psicattos!…