Sonetos sobre Tiranos

27 resultados
Sonetos de tiranos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Desenganado da Aparência Exterior

DESENGANADO DA APARÊNCIA EXTERIOR COM O EXAME INTERIOR E VERDADEIRO

Vês tu este gigante corpulento
que solene e soberbo se reclina?
Pois por dentro é farrapos e faxina,
e é um carregador seu fundamento.

Com sua alma vive e é movimento,
e onde ele quer sua grandeza inclina;
mas quem seu modo rígido examina
despreza tal figura e ornamento.

São assim as grandezas aparentes
da presunção vazia dos tiranos:
fantásticas escórias eminentes.

Vês que, em púrpura ardendo, são humanos?
As mãos com pedrarias são diferentes?
Pois dentro nojo são, terra e gusanos.

Tradução de José Bento

XXXII

Se os poucos dias, que vivi contente,
Foram bastantes para o meu cuidado,
Que pode vir a um pobre desgraçado,
Que a idéia de seu mal não acrescente!

Aquele mesmo bem, que me consente,
Talvez propício, meu tirano fado,
Esse mesmo me diz, que o meu estado
Se há de mudar em outro diferente.

Leve pois a fortuna os seus favores;
Eu os desprezo já; porque é loucura
Comprar a tanto preço as minhas dores:

Se quer, que me não queixe, a sorte escura,
Ou saiba ser mais firme nos rigores,
Ou saiba ser constante na brandura.

Vós, Crédulos Mortais, Alucinados

Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparências
colheis por uso erradas consequências
dos acontecimentos desastrados.

Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciências,
indo a cair, gritais que são violências
de inexoráveis céus, de negros fados.

Se um celeste poder tirano e duro
às vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, ó Razão, teu lume puro?

Não forçam corações as divindades,
fado amigo não há nem fado escuro:
fados são as paixões, são as vontades.

Por Entre O Beberibe, E O Oceano

Por entre o Beberibe, e o Oceano
Em uma areia sáfia, e lagadiça
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o Belga edificou ímpio tirano.

O Povo é pouco, e muito pouco urbano,
Que vive à mercê de uma lingüiça,
Unha de velha insípida enfermiça,
E camarões de charco em todo o ano.

As damas cortesãs, e por rasgadas
Olhas podridas, são, e pestilências,
Elas com purgações, nunca purgadas.

Mas a culpa têm vossas reverências,
Pois as trazem rompidas, e escaladas
Com cordões, com bentinhos, e indulgências.

LXIX

Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.

Adagas Cujas Jóias Velhas Galas

Adagas cujas jóias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mãos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convés sem ninguém cheio de malas…

O íntimo silêncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de ócio e salas…

Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estruge

Sua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mãos pararam
E indefinidamente repousaram…

Disputa em Família

I

Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:

« — Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!

Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinível…

Já provámos os frutos da verdade…
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d’uma vã banalidade! — »

II

Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,

Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:

« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.

Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,

Continue lendo…

XLIII

Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma víbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!

Não era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:

Pois como no letargo a fantasia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.

Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor não deu favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.

Finalmente outra Vez Vejo Perdida

Finalmente outra vez vejo perdida
Às mãos do amor, a doce liberdade
Que já livrei da sua crueldade
Como quem de um naufrágio salva a vida.

Já no meu coração nova ferida
Abrem os duros golpes da saudade;
E já vive outra vez minha vontade
De esperanças aéreas revestida.

Nunca cuidei que visse, amor tirano,
Tão depressa quebrado o juramento
Que fiz no puro altar do desengano.

Mas quem pode viver de amor isento,
Vendo naquele rosto soberano
De tais olhos o doce movimento?

Quanto Mais Pode Amor num Peito Humano

Quanto mais pode amor num peito humano,
Tanto se mostra mais não ter firmeza,
Pois quando dá mor gosto e mor alteza,
Então é mais cruel e desumano;

Põe debaixo do bem um falso engano,
Promete-vos prazer, dá-vos tristeza,
Seus afagos e gostos são crueza,
O mor gosto que tem é ser tirano.

Alto me pôs a fé e o pensamento,
Por que mor queda assim fizesse dar-me
Amor, que em ser cruel é tão isento;

Foi-me desenganar por segurar-me;
Assim, quanto me deu, foi tudo vento,
Desenganou-me enfim, para enganar-me!

Soneto XXV

Do bravo mar onde às voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai à costa dando.

Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de pirigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.

Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.

Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando à costa,
Que andar com mil temores em mar largo.

Logos

Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim
E, o que é mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que são o meu princípio, meio e fim…

Que estranho ser és tu (se és ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiões inominadas, cheias
De encanto e de pavor… de não e sim…

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te…

Falo-te, calas… calo, e vens atento…
És um pai, um irmão, e é um tormento
Ter-te a meu lado… és um tirano, e adoro-te!

Os Enganos do Viver

REPETE A FRAGILIDADE DA VIDA E APONTA OS SEUS ENGANOS E OS SEUS INIMIGOS

Que outra verdade hav’rá senão pobreza
nesta vida tão frágil, leviana?
Os dois embustes são da vida humana,
no berço começando, honra e riqueza.

O tempo, que não volta nem tropeça,
em horas fugitivas só a engana;
em errado ansiar, sempre tirana,
Fortuna faz cansar sua fraqueza.

Vive morte calada e divertida
a própria vida; a saúde é guerra
por seu próprio alimento combatida.

Oh, quanto, distraído, o homem erra:
que em terra teme ver tombar a vida
e não vê que, ao viver, caiu por terra!

Tradução de José Bento

Soneto III – A Um Infeliz

Geme, geme, mortal infortunado,
É fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado és delinqüente,
Sempre tirano algoz terás no Fado.

Mas para não ser mais envenenado
O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
Não te iluda o falaz riso aparente
De um futuro de rosas coroado.

Só males o presente te afiança:
Encrustado de vermes charco imundo
Se te volve o passado na lembrança.

Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.

Tirano Deus Cupido

Que suspensão, que enleio, que cuidado
É este meu, tirano deus Cupido?
Pois tirando-me enfim todo o sentido
Me deixa o sentimento duplicado.

Absorta no rigor de um duro fado,
Tanto de meus sentidos me divido,
Que tenho só de vida o bem sentido
E tenho já de morte o mal logrado.

Enlevo-me no dano que me ofende,
Suspendo-me na causa de meu pranto
Mas meu mal (ai de mim!) não se suspende.

Ó cesse, cesse, amor, tão raro encanto
Que para quem de ti não se defende
Basta menos rigor, não rigor tanto.

Mea Culpa

Não duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.

Não chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
Não chamo à existencia hora sombria;
Acaso, à ordem; nem à lei desleixo.

A Natureza é minha mãe ainda…
É minha mãe… Ah, se eu à face linda
Não sei sorrir: se estou desesperado;

Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza…
É de crer que só eu seja o culpado!

Basta, não Posso Mais, Mundo Enganoso!

Basta, não posso mais, Mundo enganoso!
Findaram para mim teus vãos prazeres.
Envelheci com eles, que mais queres
Deste escravo ancião, fraco e rugoso?

Se o teu carro triunfal puxei, fogoso,
Quando inda forças tinha, nada esperes
Deste caduco mais: quanto fizeres
Para outra vez servir-te, é duvidoso.

Enquanto não pensei, fui encantado:
Bebendo em taças de ouro o teu engano,
Eu fui, por ti, em bruto transformado.

Graças, graças ao santo Desengano,
Que a forma de homem outra vez me há dado,
Livrando-me de um mágico tirano!

IX

Pouco importa, formosa Daliana,
Que fugindo de ouvir me, o fuso tomes;
Se quanto mais me afliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bela serrana.

Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos imortais os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tirana.

Um obséquio, que foi de amor rendido,
Bem pode ser, pastora, desprezado;
Mas nunca se verá desvanecido:

Sim, que para lisonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.

Fuga Proveitosa

Não hás também agora de vencer-me,
Que eu hei-de resistir-te, Amor tirano.
Que é isto? Sempre entende o teu engano
Que há com novas astúcias de render-me?

Imaginas que para esmorecer-me
Basta oferecer-me um rosto soberano?
Pois não, Amor, que o velho Desengano
Não faz mais que avisar-me e reprender-me.

Se alguma cousa dele necessitas,
Eu sou bom portador, podes dizê-lo
Que eu farei quanto tu me encomendares.

Mas que queres, que tanto assim me gritas?
Que espere? Não, Amor, que o meu desvelo
Só se salva em fugir dos teus altares.