Sonetos sobre Tom de Cruz e Souza

15 resultados
Sonetos de tom de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

O Final Do Guarani

(Santos, 15 jul. 1883)

Ceci — Ă© a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o Ă­ndio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertĂ”es — de alma luminosa.

Amam-se com o amor indĂŽmito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.

PorĂ©m… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…

VĂŁo ambos a sorrir, Ă s ĂĄguas arrojados,
Mansos como a luz, tranqĂŒilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…

Ambos

VĂŁo pela estrada, Ă  margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂ­mpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.

Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as cançÔes e os tropos singulares
Dos inefĂĄveis, meigos passarinhos.

Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.

E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂȘmulos arpejos,
E as reticĂȘncias que produz o vago.

PlenilĂșnio

VĂȘs este cĂ©u tĂŁo lĂ­mpido e constelado
E este luar que em fĂșlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotĂ”es de prata…
VĂȘs este cĂ©u de mĂĄrmore azulado…

VĂȘs este campo intĂ©rmino, encharcado
Da luz que a lua aos pĂĄramos desata…
VĂȘs este vĂ©u que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…

VĂȘs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂȘs estes rios cheios de ardentias…

VĂȘs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!

Primavera A Fora

Escute, excelentĂ­ssima: — Que aragens
Traz do ĂĄrvoredo a fresca romaria;
Como este sol Ă© rubro de alegria,
Que tons de luz nas lĂ­mpidas paisagens.

Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.

Deixe lĂĄ fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
ChĂŁo que produz e que germina as flores.

Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce mĂșsica sincera,
Cante a balada eterna dos amores…

Campesinas VI

As uvas pretas em- cachos
DĂŁo agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.

Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
À espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.

Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.

Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
SanguĂ­neas, com sol na cor.

Campesinas VIII

Orgulho das raparigas,
Encanto ideal dos rapazes,
Acendes crenças vivazes
Com tuas belas cantigas.

No louro ondear das espigas,
Boca cheirosa a lilazes,
Carne em polpa de ananases
Lembras baladas antigas.

Tens uns tons enevoados
De castelos apagados
Nas eras medievais.

Falta-te o pajem na ameia
Dedilhando, a lua cheia,
O bandolim dos seus ais!

Cristo E A AdĂșltera

(Grupo de Bernardelli)

Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plĂĄcida candura,
Nesse esplendor tĂŁo fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.

Que campo, ali, de rĂștila conquista
Deve rasgar, do mĂĄrmore na alvura,
O estatuĂĄrio — que amplidĂŁo segura
Tem — de alma e braço, de razĂŁo e vista!

VĂȘ-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixĂŁo sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.

De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefåveis coraçÔes piedosos!

Amor

Nas largas mutaçÔes perpétuas do universo
O amor Ă© sempre o vinho enĂ©rgico, irritante…
Um lago de luar nervoso e palpitante…
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.

NĂŁo hĂĄ para o amor ridĂ­culos preĂąmbulos,
Nem mesmo as convençÔes as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctĂąmbulos
Ă  fresca exalação salĂșbrica das flores…

E somos uns completos, célebres artistas
Na obra racional do amor — na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sĂĄbios transformistas.

Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!…

Roma PagĂŁ

Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o bĂĄquico domĂ­nio,
NĂŁo era raro ver nos gozos do triclĂ­nio
A nudez feminina imperiosa e quente.

O corpo de alabastro, olĂ­mpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilĂ­nio,
Num doce tom de cor, esplĂȘndido e sangĂŒĂ­neo,
Tinha o assombro da came e a forma da serpente.

A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebĂșrnea e setinosa,
Macia, da maciez dulcĂ­ssima de arminhos.

Menos raro, porém, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A pĂșrpura do sangue e a pĂșrpura dos vinhos.

Noiva Da Agonia

TrĂȘmula e sĂł, de um tĂșmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por tĂșmulos dormindo…

A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarÔes prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…

NĂŁo Ă©s, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da IlusĂŁo governa…

Mas ah! Ă©s da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!

Lirial

Vens com uns tons de searas,
De prados enflorescidos
E trazes os coloridos
Das frescas auroras claras.

E tens as nuances raras
Dos bons prazeres servidos
Nos rostos enlourecidos
Das parisienses preclaras.

Chapéu das finas elites,
De roses e clematites,
ChapĂ©u Pierrette — entre o sol

Passando, esbelta e rosada,
Pareces uma encantada
Canção azul do Tirol.

DelĂ­rio Do Som

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebĂșrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a mĂșsica do arminho,
O perfume do lĂ­rio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

IncomparĂĄvel, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visÔes olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

O Chalé

É um chalĂ© luzido e aristocrĂĄtico,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpĂĄtico.

O sol que vibra em rubro tom prismĂĄtico,
No resplendor dos luxos principescos,
DĂĄ-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimĂĄtico.

HĂĄ um jardim de rosas singulares,
LĂ­rios joviais e rosas nĂŁo vulgares,
Brancas e azuis e roxas purpĂșreas.

E a luz do luar caindo em brilhos vagos,
Na placidez de adormecidos lagos
Abre esquisitas radiaçÔes sulfĂșreas.

Boca Imortal

Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ó fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.

Teu olhar dĂĄ-me febre e dĂĄ-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixĂŁo que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.

Mas a boca produz tais sensaçÔes de morte,
O teu riso, afinal, Ă© tĂŁo profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raĂ­zes;

Rigolboche do tom, Ăł flor pompadouresca!
Que Ă©s, para mim, no mundo, a trĂĄgica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!

Colar De PĂ©rolas

A F’licidade Ă© um colar de pĂ©rolas,
PĂ©rolas caras, de valor pujante,
Belas estrofes de Petrarca e Dante
Mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.

Para que enfim esse colar bendito,
Perdure sempre, inteiramente egrégio,
Como uma tela do pintor Correggio,
Sem resvalar no lodaçal maldito:

Faz-se preciso umas paixÔes bem retas,
Cheias de uns tons de muito sol — completas…
Faz-se preciso que do amor na febre,

Nos grandes lances de vigor preclaro,
Desse colar esplendoroso e raro,
Nem uma pĂ©rola, uma sĂł se quebre!…