Amor Ă© um Arder
Amor Ă© um arder que se nĂŁo sente;
É ferida que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.[Imitando Camões]
Sonetos sobre Tormento
81 resultadosEu Vivia De Lágrimas Isento
Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tĂŁo doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
nĂŁo valiam mil glĂłrias um tormento.Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhĂĽa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tĂŁo contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:em troco do qual bem sĂł me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me Ă memĂłria o bem passado.
Soneto Amoroso Defendendo o Amor
SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR
É gelo abrasador, fogo gelado,
Ă© ferida que dĂłi e nĂŁo se sente,
Ă© um sonhado bem, um mal presente,
é um breve descanso fatigado;é um sossego que nos dá cuidado,
um cobarde com nome de valente,
solitário andar por entre gente,
um amar nada mais que ser amado;Ă© uma liberdade encarcerada,
que dura até ao último momento;
doença que piora se é tratada.Este o menino Amor, o seu tormento.
Vede a amizade que terá com nada
o que em tudo vai contra o seu intento!Tradução de José Bento
XXIII
Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martĂrio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor nĂŁo me assusta, nem me cansa:Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.
De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
Onde Porei Meus Olhos que nĂŁo Veja
Onde porei meus olhos que nĂŁo veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?já sei como s’engana quem deseja,
Em vĂŁo amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que sĂŁo de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est’alma sogigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;E vou de dia em dia, de ano em ano,
ApĂłs um nĂŁo sei quĂŞ, apĂłs um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.
Soneto X
Quais no soberbo mar Ă nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.
Baixel Veloz, Que Ao Ăšmido Elemento
Baixel veloz, que ao Ăşmido elemento
A voz no nauta experto afoito entrega,
Demora o curso teu, perto navega
Da terra onde me fica o pensamento!Enquanto vais cortando o salso argento,
Desta praia feliz nĂŁo se desprega
(Meus olhos, nĂŁo, que amargo pronto os rega)
Minha alma, sim, e o amor que Ă© meu tormento.Baixel, que vais fugindo despiedado,
Sem temor dos contrastes da procela,
Volta ao menos, que vais tĂŁo apressado,Encontre-a eu gentil, mimosa e bela!
E o pranto qu’ora verto amargurado,
Possa eu verter então nos lábios dela!
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂdo:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂŞs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Louvado Seja Amor em Meu Tormento
No tempo que de amor viver soĂa,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.Que ardesse n’um sĂł fogo nĂŁo queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tĂŁo cansado sofrimento!
Se pena por amar-vos se merece
Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.Mas se merece pena quem amando
ContĂnuo vos está, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo é vosso.Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.
Uma Amiga
Aqueles que eu amei, nĂŁo sei que vento
Os dispersou no mundo, que os nĂŁo vejo…
Estendo os braços e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!Daquela primavera venturosa
NĂŁo resta uma flor sĂł, uma sĂł rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!Tu sĂł foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnecĂŞ-lo!
Benoit
Acende no meu peito o sério lume
Aceso no teu peito porco e bento,
E sĂŞ no medo meu, no meu tormento,
O mestre predileto, o amado numeCapaz de iluminar, sob o cardume
De estrelas, uma estrada que, por dentro,
Percorre o meu paĂs de amor, detento
De tudo que te fez, no mundo, estrume.Vem dar-me o braço e me levar até
Por onde andaste, noivo e peregrino,
Da Pátria que se esconde atrás da Fé.Ensina-me a viver o Amor Divino,
E quando o meu cajado florescer,
Dá-me o teu santo modo de morrer.
Fiou Se O Coração, De Muito Isento
Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tĂŁo ilĂcito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.Mas os olhos pintaram tĂŁo a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razĂŁo, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.Ă“ HipĂłlito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que nĂŁo sabia ter nenhum respeito:em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.
Nox
Noite, vĂŁo para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, Ă luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inĂşteis tantos ásperos tormentos…Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…Oh! Antes tu tambĂ©m adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do NĂŁo-ser!
LXXXII
Piedosos troncos, que a meu terno pranto
Comovidos estais, uma inimiga
E quem fere o meu peito, Ă© quem me obriga
A tanto suspirar, a gemer tanto.Amei a Lise; Ă© Lise o doce encanto,
A bela ocasiĂŁo desta fadiga;
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga
Em um tormento, em um fatal quebranto?Deixou-me a ingrata Lise: se alguma hora
VĂłs a vĂŞdes talvez, dizei, que eu cego
Vos contei… mas calai, calai embora.Se tanto a minha dor a elevar chego,
Em fé de um peito, que tão fino adora,
Ao meu silĂŞncio o meu martĂrio entrego.
LVI
Tu, ninfa, quando eu menos penetrado
Das violĂŞncias de Amor vivia isento,
Propondo-te entĂŁo bela a meu tormento,
Foste doce ocasiĂŁo de meu cuidado.Roubaste o meu sossego, um doce agrado,
Um gesto lindo, um brando acolhimento
Foram somente o Ăşnico instrumento,
Com que deixaste o triunfo assegurado.Já não espero ter felicidade,
Salvo se for aquela, que confio,
Por amar-te, apesar dessa impiedade.Em prĂŞmio dos suspiros, que te envio,
Ou modera o rigor da crueldade,
Ou torna-me outra vez meu alvedrio.
Qual tem a borboleta por costume
Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, AĂłnia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glória maior, está contente.
Que Pode Já Fazer Minha Ventura
Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o nĂŁo tem, nem Ă© segura?Que pena pode ser tĂŁo certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro;assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro.