O Beija-Flor
NOTA: Tradução do poema “Le Colibri”, de Leconte de Lisle
O verde beija-flor, rei das colinas,
Vendo o rocio e o sol brilhante
Luzir no ninho, trança d’ervas finas,
Qual fresco raio vai-se pelo ar distante.Rápido voa ao manancial vizinho,
Onde os bambus sussurram como o mar,
Onde o açoká rubro, em cheiros de carinho,
Abre, e eis no peito úmido a fuzilar.Desce sobre a áurea flor a repousar,
E em rósea taça amor a inebriar,
E morre não sabendo se a pode esgotar!Em teus lábios tão puros, minha amada,
Tal minha alma quisera terminar,
Só do primeiro beijo perfumada!
Sonetos sobre Tradução
55 resultadosNão te Arruínes, Alma, Enriquece
Centro da minha terra pecadora,
alma gasta da própria rebeldia,
porque tremes lá dentro se por fora
vais caiando as paredes de alegria?Para quê tanto luxo na morada
arruinada, arrendada a curto prazo?
Herdam de ti os vermes? Na jornada
do corpo te consomes ao acaso?Não te arruínes, alma, enriquece:
vende as horas de escória e desperdício
e compra a eternidade que mereces,sem piedade do servo ao teu serviço.
Devora a Morte e o que de nós terá,
que morta a Morte nada morrerá.Tradução de Carlos de Oliveira
O Monge Maldito
Os devotos painéis dos antigos conventos,
Reproduzindo a santa imagem da Verdade,
Davam certo conforto aos sóbrios monumentos,
Tornavam menos fria aquela austeridade.Olhos fitos em Deus, nos santos mandamentos,
Mais de um monge alcançou palma de santidade,
A’ Morte consagrando obras e pensamentos
Numa vida de paz, de labor, de humildade.Minh’alma é um coval onde, monge maldito,
Desde que existe o mundo, aborrecido, habito,
Sem ter um só painel que possa contemplar…— O’ monge mandrião! se quer’s viver, contente,
uma vida de paz, não seja indolente;
Caleja-me essas mãos, trabalha! vai cavar!Tradução de Delfim Guimarães
Ciganos em Viagem
A tribo que prevê a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!Tradução de Delfim Guimarães
O Ideal
Nunca poderá ser pálida bonequinha,
Produto sem frescor qual manequim de molas,
Pés para borzeguins, dedos p’ra castanholas,
Que há-de satisfazer almas como esta minha.Eu deixo a Gavarni, poeta de enfermaria,
Seu rebanho gentil de belezas cloróticas,
Porque nunca encontrei n’essas plantas exóticas
A rubra flor que anela a minha fantasia.Meu torvo coração, na angústia que o oprime,
Sonha Lady Macbeth, alma fadada ao crime,
Pesadelo infernal que um Ésquilo criou;E contigo também, ó Noite grandiosa,
Filha de Miguel-Anjo, esfinge misteriosa,
Sereia colossal que algum Titã gerou!Tradução de Delfim Guimarães
O Inimigo
A mocidade foi-me um temporal bem triste,
Onde raro brilhou a luz d’um claro dia;
Tanta chuva caiu, que quase não existe
Uma flor no jardim da minha fantasia.E agora, que alcancei o outono, alquebrantado,
Que paciente labor não preciso — ai de mim! —
Se quiser renovar o terreno encharcado,
Cheio de boqueirões, que é hoje o meu jardim!E quem sabe se as flor’s ideais que ora cobiço
Iriam encontrar no chão alagadiço
O preciso alimento ao seu desabrochar?Corre o tempo veloz, num galope desfeito,
E a Dor, a ingente Dor, que nos corrói o peito,
Com nosso próprio sangue, a crescer, a medrar!Tradução de Delfim Guimarães
Era a Memória Ardente a Inclinar-se
Era a memória ardente a inclinar-se
à giesta do tempo por frescura
mas o que em seu espelho se figura
vê que está só e a mesma dor foi dar-senoite e dia e silente de amargura
uma saudade em febre o viu queimar-se
até vir por um “sim” a consolar-se
e do perdão mudo hino lhe asseguralevando imagens e sinais de vez
O olhar liberto penetrou no assento
do alto luto onde da palidezdos invernos se erguia outro rebento
de cálices que embalam as sementes
dando ao nome louvado descendentes.Tradução de Vasco Graça Moura
Obsessão
Os bosques para mim são como catedrais,
Com orgãos a ulular, incutindo pavor…
E os nossos corações, – jazidas sepulcrais,
De profundis também soluçam, n’um clamor.Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh’alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, – espectros familiares!Tradução de Delfim Guimarães
A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se
Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos ímpetos consigoNeste meu choro enevoado abrigo
pôs-me a palavra o peito em alaúde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigoMas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-seele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.Tradução de Vasco Graça Moura
Perfume Exótico
Quando eu a dormitar, num íntimo abandono,
Respiro o doce olor do teu colo abrasante,
Vejo desenrolar paisagem deslumbrante
Na auréola de luz d’um triste sol de outono;Um éden terreal, uma indolente ilha
Com plantas tropicais e frutos saborosos;
Onde há homens gentis, fortes e vigorosos,
E mulher’s cujo olhar honesto maravilha.Conduz-me o teu perfume às paragens mais belas;
Vejo um porto ideal cheio de caravelas
Vindas de percorrer países estrangeiros;E o perfume subtil do verde tamarindo,
Que circula no ar e que eu vou exaurindo,
Vem juntar-se em minh’alma à voz dos marinheiros.Tradução de Delfim Guimarães
A Música
A música p’ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;Sinto vibrar em mim todas as comoções
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsõesConseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrível me exaspera!Tradução de Delfim Guimarães
A Teodoro de Banville
De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufião de esquina.Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a túnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —Três vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, répteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?Tradução de Delfim Guimarães
A Cor da Tua Alma
Enquanto eu te beijo, o seu rumor
nos dá a árvore, que se agita ao sol de ouro
que o sol lhe dá ao fugir, fugaz tesouro
da árvore que é a árvore de meu amor.Não é fulgor, não é ardor, não é primor
o que me dá de ti o que te adoro,
com a luz que se afasta; é o ouro, o ouro,
é o ouro feito sombra: a tua cor.A cor de tua alma; pois teus olhos
vão-se tornando nela, e à medida
que o sol troca por seus rubros seus ouros,e tu te fazes pálida e fundida,
sai o ouro feito tu de teus dois olhos
que me são paz, fé, sol: a minha vida!Tradução de José Bento
Se ao Mundo Predissesses teu Morrer
Se ao mundo predissesses teu morrer
na morte a natureza ir-te-ia à frente
volvendo com mandado intransigente
no eterno esquecimento o próprio serO céu se rosaria docemente
por do teu corpo a roupa enfim descer
florestas tingiria o teu sofrer
de negro e a noite o mar barca silenteLuto sem nome com estrelas mede
a estela ao teu olhar no arco celeste
e a escuridão de espesso muro impedeque a luz da nova primavera preste
A estação vê nos astros que pararam
as cisternas que a morte te espelharam.Tradução de Vasco Graça Moura
Uma Gravura Fantástica
Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrível de esqueleto
Um diadema de lata, – único enfeite a orná-lo
Sem espora ou ping’lim, monta um pobre cavalo,Um espectro também, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.O Cavaleiro brande um gládio chamejante
Por sobre as multidões que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d’uma luz branca e terna,
Os povos da História antiga e da moderna.Tradução de Delfim Guimarães