Sonetos sobre Tristes de Cruz e Souza

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Sonetos de tristes de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Sorriso Interior

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo…
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser tranforma tudo em flores…
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!

Nerah

(Inspirado no elegante conto de Virgílio Várzea)
A Vítor Lobato

Nerah não brinca mais, não dança mais. — E agora
Que vão-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tímidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.

Seus sonhos de cristal, translúcidos, antigos
Se vão embora, embora à vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os úmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.

Não canta o sabiá que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.

Em tudo a fina seta aguda de aflições!
Na própria atmosfera um caos de interjeições!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.

Símiles

(Desterro)

Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.

Tudo que a Bíblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se à risca, foi executado.

O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de Jericó, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.

Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e… perdoou.

Ermida

Lá onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como está tão pobre,
Aquela ermida como está tão triste.

A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovões resiste

E as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.

Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusões da sorte.

Exilada

Bela viajante dos países frios
Não te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incógnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

Triste

Vai-se extinguindo a viva labareda
Que te abrasava o coração ridente…
Passas magoada pela rua e a gente
Umas converses funerais segreda.

Não tens no olhar o sangue q’embebeda,
Foram-se as rosas do viver contente…
Segues, agora, pobre flor — somente
Da sepultura a essencial vereda.

E vem chegando o tenebroso inverno…
Mas nesse mal devorador e eterno,
Teu organismo já não mais resiste

Às punhaladas da estação de gelo…
E acabará como eu nem sei dizê-lo,
Triste, bem triste, pesarosa, triste!

Vanda

Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
Makuâma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.

Nesse teu lábio sem calor onde anda
A sombra vã de amores que sentiste
Outrora, acende risos que não viste
Nunca e as tristezas para longe manda.

Esquece a dor, a lúbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.

Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.

Mãe E Filho

Às mães desamparadas

Jesus, meu filho, o encanto das crianças,
Quando na cruz, de angustia espedaçado,
Em sangue casto e límpido banhado,
Manso, tão manso como as pombas mansas;

Embora as duras e afiadas lanças
Com que os judeus, tinham, de lado a lado,
Seu coração puríssimo varado,
Inda no olhar raiavam-lhe esperanças.

Por isso, ó filho, ó meu amor — se a esmola
De algum conforto essencial não rola
Por nós — é forca conduzir a cruz!…

Mas, volta ó filho, pesaroso e triste.
Se a nossa vida só na dor consiste,
Ah! minha mãe, por que morreu Jesus?…

Madona Da Tristeza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tímida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…

Pelas negras abóbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro após se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…

Como que vem do túmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!

Da Mundana Lida, Eis Que Cansado

“Minha vida é um montão de ruínas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.

Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.

Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tão crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que é demais sofrer-se assim!

Rir!

Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria…
Rir! Mas não rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.

Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.

Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.

Antes chorar que rir de modo triste…
Pois que o difícil do rir bem consiste
Só em saber como Henri Heine rir!…

Aparição

Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.

Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de Paixões e ciúmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.

Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.

No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!

Flor Nirvanizadas

Ó cegos corações, surdos ouvidos,
Bocas inúteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

Consciências hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalísticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

Na Fonte

Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmúrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados — morre

No monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.

— É num sítio afastado, um sítio ermo…
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.

— E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.

Monja

Ó Lua, Lua triste, amargurada,
Fantasma de brancuras vaporosas,
A tua nívea luz ciliciada
Faz murchecer e congelar as rosas.

Nas flóridas searas ondulosas,
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.

Filtros dormentes dão aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
Que vão pelo ar, noctâmbulos, pairando…

Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando…

Noiva E Triste

Rola da luz do céu, solta e desfralda
Sobre ti mesma o pavilhão das crenças,
Constele o teu olhar essas imensas
Vagas do amor que no teu peito escalda.

A primorosa e límpida grinalda
Há de enflorar-te as amplidões extensas
Do teu pesar — há de rasgar-te as densas
Sombras — o véu sobre a luzente espalda…

Inda não ri esse teu lábio rubro
Hoje — inda n’alma, nesse azul delubro
Não fulge o brilho que as paixões enastra;

Mas, amanhã, no sorridor noivado,
A vida triste por que tens passado,
De madressilvas e jasmins se alastra.

Noiva Da Agonia

Trêmula e só, de um túmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por túmulos dormindo…

A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarões prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…

Não és, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da Ilusão governa…

Mas ah! és da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!

Cega

Parece-me que a luz imaculada
Que vem do teu olhar, todo doçuras,
Não verte no meu ser aquelas puras
Delícias de outra era já passada.

Eu creio que essa pálpebra adorada
Não mais um flóreo empíreo de venturas
Descobre-me — na noite de amarguras,
De dúvidas intérminas cortada.

Não olhas como olhavas, rindo, outrora,
Não abres a pupila, como a aurora
Nascendo, abre, feliz, radiosa e calma.

A sombra, nos teus olhos, funda, existe!…
Tu’alma deve ser bem negra e triste
Se os olhos são, decerto, o espelho d’alma.

Impassível

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.