Todo O Animal Da Calma Repousava
Todo o animal da calma repousava,
sĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
o triste som das mĂĄgoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade d’outrem posto estava.Cansado jĂĄ de andar pela espessura,
no tronco d’ĂŒa faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:“Nunca ponha ninguĂ©m sua esperança
em peito feminil, que, de natura,
somente em ser mudĂĄvel tem firmeza”.
Sonetos sobre Tristes de LuĂs de CamĂ”es
33 resultadosFortuna Em Mim Guardando Seu Direito
Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por nĂŁo dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memĂłria nĂŁo faz senĂŁo matar-me ,que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?
Vossos Olhos, Senhora, que Competem
Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lĂĄgrimas de vĂȘ-los se derretem.Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisĂŁo, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.Porém se então me vedes por acerto,
Esse ĂĄspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vĂłs nĂŁo dais,
Quando com um desprezo me dais vida?
Coitado! que em um tempo choro e rio
Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.Queria, se ser pudesse, o impossĂvel;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;Queria que visto fosse e invisĂvel;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!
NascerĂŁo Saudades de Meu Bem
Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas ĂĄguas de cristal,
Que em vĂłs os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;Silvestres montes, ĂĄsperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
JĂĄ nĂŁo podeis fazer meus olhos ledos.E pois jĂĄ me nĂŁo vedes como vistes,
NĂŁo me alegrem verduras deleitosas,
Nem ĂĄguas que correndo alegres vĂȘm.Semearei em vĂłs lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lĂĄgrimas saudosas,
E nascerĂŁo saudades de meu bem.
MemĂłria De Meu Bem, Cortado Em Flores
MemĂłria de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.Perdi nua hora quanto em termos
tĂŁo vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, nĂŁo ua sĂł, dura memĂłria!
Se AlgĂŒ’hora Em VĂłs A Piedade
Se algĂŒ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂŒdade.Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lågrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cå me acharå minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.
Em Flor Vos Arrancou, De EntĂŁo Crecida
Em flor vos arrancou, de entĂŁo crescida
(Ah! senhor dom AntĂłnio!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.ĂŒa sĂł razĂŁo tenho conhecida
com que tamanha mĂĄgoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que nĂŁo podĂeis ter mais larga a vida.Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mĂŁos do fero Marte,
na memĂłria das gentes vivereis.
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidĂŁo, qualquer dureza;
Mas nĂŁo pode acabar minha tristeza,
Enquanto nĂŁo quiserdes vĂłs, Senhora.O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
Ditosa Ave
Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
NĂŁo sabe mais que cousa Ă© ser contente!E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem nĂŁo dĂĄ segundo,
DĂĄ-lhe o ser triste a seu contentamento.Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!
Se, Despois D’esperança TĂŁo Perdida
Se, despois d’esperança tĂŁo perdida,
Amor pola ventura consentisse
que inda algĂŒ’hora breve alegre visse
de quantas tristes viu tĂŁo longa vida;ĂŒ’alma jĂĄ tĂŁo fraca e tĂŁo caĂda,
por mais alto que a sorte me subisse,
nĂŁo tenho para mim que consentisse
alegria tĂŁo tarde consentida.NĂŁo tĂŁo somente Amor me nĂŁo mostrou
um’hora em que vivesse alegremente,
de quantas nesta vida me negou;mas inda tanta pena me consente,
que co contentamento me tirou
o gosto de algĂŒ’hora ser contente.
Aqueles Claros Olhos Que Chorando
Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂȘ-los, n’alma figurando?Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂȘncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!
Despois Que Quis Amor Que Eu SĂł Passasse
Despois que quis Amor que eu sĂł passasse
quanto mal jĂĄ por muitos repartiu,
entregou me Ă Fortuna, porque viu
que nĂŁo tinha mais mal que em mim mostrasse.Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o CĂ©u me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim sĂł mandou que se inventasse.Eis me aqui vou com vĂĄrio som gritando,
copioso exemplĂĄrio para a gente
que destes dous tiranos Ă© sujeita,desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tĂŁo pequeno estĂĄ contente!