Nua E Crua
Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vĂŞ-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!Fita-a em seguida, e atônito recua…
– Ó Musa! exclama então, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?…
Ă€ nudez da Verdade quem resiste?!
Sonetos sobre Tristes de Raimundo Correia
4 resultadosMarĂlia
Ă“ MarĂlia! Ă“ Dirceu! Eram dois ninhos
Os vossos corações, ninhos de flores;
Mas, entre os quais, sentĂeis os rigores
Lacerantes de incógnitos espinhos;Tremiam, como em flácidos arminhos,
Promiscuamente, neles os amores,
As saudades, os cânticos, as dores,
Como uma multidĂŁo de passarinhos…O sulco profundĂssimo que traça
Nos corações amantes a desgraça,
Ambos nos corações traçados vistes,Quando os vossos olhares, no momento,
Cruzaram-se, do negro afastamento,
Marejados de lágrimas e tristes…
VĂ©sper
Do seu fastĂgio azul, serena e fria,
Desce a noite outonal, augusta e bela;
Vésper fulgura além… Vésper! Só ela
Todo o céu, doce e pálida, alumia.De um mosteiro na cúpula irradia
Com frouxa luz… Em sua humilde cela,
Contemplativa e lânguida à janela,
Triste freira, fitando-a, se extasia…Vésper, envolta em deslumbrante alvura,
Ó nuvens, que ides pelo espaço afora!
A quem tĂŁo longo olhar volve da altura?Que olhar, irmĂŁo do seu, procura agora
Na terra o astro do amor? O olhar procura
Da solitária freira que o namora.
Julieta
A loura Julieta enamorada,
Triste, lânguida, pálida, abatida,
Aparece radiante na sacada
Dos raios brancos do luar ferida.Engolfa o olhar na sombra condensada,
Perscruta, busca em torno… e na avenida
Surge Romeu; da valerosa espada
Esplende a clara lâmina polida…Sente-se o arfar de sôfregos desejos,
Estoura no ar um turbilhĂŁo de beijos,
Mas o dia reponta!… Ó indiscretaDa cotovia matinal garganta!
Ă“ perigo do amor, que o amor quebranta!
Ă“ noites de Verona! Ă“ Julieta!