Majestade CaĂda
Esse cornĂłide deus funambulesco
Em torno ao qual as Potestades rugem,
Lembra os trovões, que tétricos estrugem,
No riso alvar de truĂŁo carnavalesco.De ironias o momo picaresco
Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ácida salsugem
Mostra e parece um Sátiro dantesco.Mas ninguĂ©m nota as cĂłleras horrĂveis,
Os chascos, os sarcasmos impassĂveis
Dessa estranha e tremenda Majestade.Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, está chorando
Os Noivados em flor da Mocidade!
Sonetos sobre Trovões
9 resultadosO Tempo Gastador de Mil Idades
O Tempo gastador de mil idades,
Que na décima esfera vive e mora,
NĂŁo descansa co’a FĂşria tragadora,
De exercitar, feroz, suas crueldades.Ele destrĂłi as Ănclitas cidades,
As egĂpcias pirâmides devora:
Sua dentada fouce assoladora,
Rompe forças viris, destrĂłi beldades.O bronze, o ouro, o rĂgido diamante,
A sua mĂŁo pesada amolga e gasta
Levando tudo ao nada, em giro errante.Como trovĂŁo feroz rugindo arrasta,
Quanto cobre na Terra o sol radiante,
SĂł da Virtude com temor se afasta.
Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia
Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂvel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
Ermida
Lá onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como está tão pobre,
Aquela ermida como está tão triste.A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovões resisteE as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusões da sorte.
Aos Mesmos
De insĂpida sessĂŁo no inĂştil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gĂłtica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.Taful que o portuguĂŞs nĂŁo lhe entendia,
Nem ao resto da cĂ´mica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.Dos sĂłcios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.Fez na calúnia vil cruéis ensaios,
E jaz com grandes créditos a obra
Entre mĂŁos de marujos e lacaios.
O Coração – II
A solidĂŁo Ă© perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao Ăşltimo sonho. A solidĂŁo
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz Ă© negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teoremade ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efĂ©merae longĂnqua, trovĂŁo engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.
Deus, Infinito Ser
Deus, Infinito ser, nunca criado,
Sem princĂpio, nem fim, na Majestade
Que no trono da Eterna Divindade
Tens o Mundo num dedo dependurado:Tu estavas em Ti, nĂŁo foste nado,
O teu Ser era a tua Imensidade,
Tu tiveste por berço a Eternidade,
Tu, sem tempo, em Ti mesmo eras gerado!Tu és um fogo que arde sem matéria,
Tu és perpétua luz, que não desmaia
Fulgindo, sem cessar, na sala etérea!Tu és um mar de amor, que não tem praia,
Trovão assustador da esfera aérea,
Rei dum Reino Imortal, que nĂŁo tem raia!…
Eu Vi Dos PĂłlos O Gigante Alado
Eu vi dos pĂłlos o gigante alado,
Sobre um montão de pálidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcões ariscos,
Devorando em silĂŞncio a mĂŁo do fado!Quatro fatias de tufĂŁo gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangĂĽentado!– “Quem Ă©s, que assim me cercas de episĂłdios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões serĂłdios.– “Eu sou” – me disse, – “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfĂşreos Ăłdios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”
Tempestade AmazĂ´nica
O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, nĂŁo tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva nĂŁo bata.SĂşbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.No alto o trovĂŁo repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidĂŁo. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…