Natal
às moças da Serra
É meia noite … O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como n’um sonho místico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gélidos açoites …Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!
Sonetos sobre Velhos
113 resultadosCeleste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas também, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
Visão de amor, puríssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
Ser Paulista
Ser paulista! é ser grande no passado
E inda maior nas glórias do presente!
É ser a imagem do Brasil sonhado,
E, ao mesmo tempo, do Brasil nascente.Ser paulista! é morrer sacrificado
Por nossa terra e pela nossa gente!
É ter dó das fraquezas do soldado
Tendo horror à filáucia do tenente.Ser paulista! é rezar pelo Evangelho
De Rui Barbosa – o sacrossanto velho
Civilista imortal de nossa fé.Ser paulistal em brasão e em pergaminho
É ser traído e pelejar sozinho,
É ser vencido, mas cair de pé!
Velha Anedota
Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;Lá um dia deixou de andar à malta,
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:– Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso? –Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: – Juízo. –
Mancebo Sem Dinheiro, Bom Barrete
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.
Alma Antiga
Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
À luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidão deserta.Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.E tira da tua alma, ó doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!
Soneto 399 Pós-Moderno
Cinema Novo, Bossa Nova, tudo
é novo nesta terra! A velharia
nos vem só do estrangeiro. O que seria
do Chaplin sem o velho cine mudo?Temos tempos modernos! Também mudo
meu modo de pensar a poesia.
Concreto e verso livre contagia,
mas algo mais à frente aguarda estudo:É o raio do soneto, que ora volta
liberto das amarras do conceito
e sem as igrejinhas como escolta.Depois do modernismo, vem refeito.
Até o vocabulário já se solta:
ao puro é duro, e ao sujo está sujeito.
Soneto De Natal
Um homem, – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, –
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Réquiem Do Sol
Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusões as trêmulas coortes
Buscam a luz do teu clarão magoado…A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhões de mortes
Passa em tropel de trágicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangüentado…Do alto dominas vastidões supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…Mas lá, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!
Gadêa Pelichek Sebastião
Gadêa… Pelichek… Sebastião…
Lobo Alvim… Ah, meus velhos camaradas!
Aonde foram vocês? Onde é que estão
Aquelas nossas ideais noitadas?Fiquei sozinho… Mas não creio, não,
Estejam nossas almas separadas!
Às vezes sinto aqui, nestas calçadas,
O passo amigo de vocês… E entãoNão me constranjo de sentir-me alegre,
De amar a vida assim, por mais que ela nos minta…
E no meu romantismo vagabundoEu sei que nestes céus de Porto Alegre
É para nós que inda S. Pedro pinta
Os mais belos crepúsculos do mundo!…
A Rua Dos Cataventos – XII – Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado…Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo… Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude…
Os Parceiros
Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-senuma velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!
Diálogo da Vida e o Tempo
V. Quem chama dentro em mi? – T. O tempo ousado
V. Entraste sem licença? – T. Tenho-a há muito.
V. Que me queres? – T. Que me ouças. – V. Já te escuto.
T. Prometes de me crer? – V. Fala avisado.T. Errada vás. – V. Também tu vás errado.
T. Essa é condição minha. – V. Esse é meu fruto.
T. És mulher descuidada. – V. És velho astuto.
T. Erro sem dano meu. – V. Assás tens dado.T. Ai, vida como passas? – V. Perseguida.
T. De quem? – V. De ti. – T. O Tempo o gosto nega.
V. O tempo é ar. – T. A Vida é passatempo.V. Tu já nem Tempo és. – T. Nem tu és já Vida.
V. Vai para louco. – T. Vai-te para cega.
– Vedes como se vão a Vida e o Tempo?