Sonetos sobre Vento de Cruz e Souza

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Sonetos de vento de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Spleen De Deuses

Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…

Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.

Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao Demônio soturno, e o rebelado,
Capricórnio Satã, ao Deus bradava.

Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tédio senil do céu fechado…

O Grande Sonho

Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

No Seio Da Terra

Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.

Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que têm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.

As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…

Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!

A Harpa

Prende, arrebata, enleva, atrai, consola
A harpa tangida por convulsos dedos,
Vivem nela mistérios e segredos,
É berceuse, é balada, é barcarola.

Harmonia nervosa que desola,
Vento noturno dentre os arvoredos
A erguer fantasmas e secretos medos,
Nas suas cordas um soluço rola…

Tu’alma é como esta harpa peregrina
Que tem sabor de música divina
E só pelos eleitos é tangida.

Harpa dos céus que pelos céus murmura
E que enche os céus da música mais pura,
como de uma saudade indefinida.

Múmia

Múmia de sangue e lama e terra e treva,
Podridão feita deusa de granito,
Que surges dos mistérios do Infinito
Amamentada na lascívia de Eva.

Tua boca voraz se farta e ceva
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para és limbos leva.

Báratros, criptas, dédalos atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
Uivos tremendos com luxúria e cio…

Ris a punhais de frígidos sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!…

Decadentes

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…

Só!

Muito embora as estrelas do Infinito
Lá de cima me acenem carinhosas
E desça das esferas luminosas
A doce graça de um clarão bendito;

Embora o mar, como um revel proscrito,
Chame por mim nas vagas ondulosas
E o vento venha em cóleras medrosas
O meu destino proclamar num grito,

Neste mundo tão trágico, tamanho,
Como eu me sinto fundamente estranho
E o amor e tudo para mim avaro…

Ah! como eu sinto compungidamente,
Por entre tanto horror indiferente,
Um frio sepulcral de desamparo!

Dupla Via-Láctea

Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.

E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos…
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.

E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldada

Dentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!

Sentimentos Carnais

Sentimentos carnais, esses que agitam
Todo o teu ser e o tornam convulsivo…
Sentimentos indômitos que gritam
Na febre intensa de um desejo altivo.

Ânsias mortais, angústias que palpitam,
Vãs dilacerações de um sonho esquivo,
Perdido, errante, pelos céus, que fitam
Do alto, nas almas, o tormento vivo.

Vãs dilacerações de um Sonho estranho,
Errante, como ovelhas de um rebanho,
Na noite de hóstias de astros constelada…

Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,
Sentimentos carnais, vãos sentimentos
De chama pelos tempos apagada…

Alma Antiga

Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
À luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidão deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, ó doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!

Coração Confiante

O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo…
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.

Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.

E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos…

Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Prerso por loucos arrebatamentos!