Se Comparo Poder ou Ouro ou Fama
Se comparo poder ou ouro ou fama,
Venturas que em si tĂŞm occulto o damno,
Com aquele outro affecto soberano,
Que amor se diz e Ă© luz de pura chama,Vejo que sĂŁo bem como arteira dama,
Que sob honesto riso esconde o engano,
E o que as segue, como homem leviano
Que por um vĂŁo prazer deixa quem ama.Nasce do orgulho aquele esteril goso
E a glória d’ele é cousa fraudulenta,
Como quem na vaidade tem a palma:Tem na paixĂŁo seu brilho mais formoso
E das paixões tambem some-o a tormenta…
Mas a glória do amor… essa vem d’alma!
Sonetos sobre Ventura de Antero de Quental
7 resultadosNĂŁo me Fales de GlĂłria: Ă© Outro o Altar
NĂŁo me fales de glĂłria: Ă© outro o altar
Onde queimo piedoso o meu incenso,
E animado de fogo mais intenso,
De fé mais viva, vou sacrificar.A glória! pois que ha n’ela que adorar?
Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso…
Que vislumbre nos dá do amor immenso?
Esse amor que ventura faz gosar?Ha outro mais perfeito, unico eterno,
Farol sobre ondas tormentosas firme,
De immoto brilho, poderoso e terno…Só esse hei-de buscar, e confundir-me
Na essencia do amor puro, sempiterno…
Quero só n’esse fogo consumir-me!
Desesperança
Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delĂrio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E só engano nunca a desventura!Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, Ăł alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!
Porque DescrĂŞs, Mulher, do Amor, da Vida?
Porque descrĂŞs, mulher, do amor, da vida?
Porque esse Hermon transformas em Calvario?
Porque deixas que, aos poucos, do sudario
Te aperte o seio a dobra humedecida?Que visĂŁo te fugio, que assim perdida
Buscas em vão n’este ermo solitario?
Que signo obscuro de cruel fadario
Te faz trazer a fronte ao chĂŁo pendida?Nenhum! intacto o bem em ti assiste:
Deus, em penhor, te deu a formosura;
Bençãos te manda o céo em cada hora.E descrês do viver?… E eu, pobre e triste,
Que sĂł no teu olhar leio a ventura,
Se tu descrĂŞs, em que hei-de eu crer agora?
O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sĂłis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que sĂşbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro sĂł, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
Lamento
Um diluvio de luz cae da montanha:
Eis o dia! eis o sol! o esposo amado!
Onde ha por toda a terra um sĂł cuidado
Que nĂŁo dissipe a luz que o mundo banha?Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde ha ser de Deus tĂŁo olvidado
Para quem paz e alivio o céo não tenha?Deus é Pae! Pae de toda a creatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre é lembrado…Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
N’esta hora santa… e eu só posso ser triste…
Serei filho, mas filho abandonado!
Não Busco N’esta Vida Glória ou Fama
Não busco n’esta vida glória ou fama:
Das turbas que me importa o vĂŁo ruĂdo?
Hoje, deus… e amanhã, já esquecido
Como esquece o clarão de extincta chama!Foco incerto, que a luz já mal derrama,
Tal Ă© essa ventura: eccho perdido,
Quanto mais se chamou, mais escondido
Ficou inerte e mudo á voz que o chama.D’essa coroa é cada flor um engano,
É miragem em nuvem ilusoria,
É mote vão de fabuloso arcano.Mas coroa-me tu: na fronte inglória
Cinge-me tu o louro soberano…
Verás, verás então se amo essa glória!