Sonetos sobre Ventura de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de ventura de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LXXX

Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.

Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;

Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondĂŞncia,
Ou desconhece o rosto da violĂŞncia,
Ou do retiro a paz nĂŁo tem provado.

Que bem Ă© ver nos campos transladado
No gĂŞnio do pastor, o da inocĂŞncia!
E que mal Ă© no trato, e na aparĂŞncia
Ver sempre o cortesĂŁo dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um sĂł trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, Ă© variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

XXIII

Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:

Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martĂ­rio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.

Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor nĂŁo me assusta, nem me cansa:

Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espĂ­rito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

NĂŁo basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.

LXXVIII

Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e seca tornais vossa verdura,
Não vos assuste a pálida figura,
Com que o meu rosto vedes tĂŁo desfeito.

VĂłs me vistes um dia o doce efeito
Cantar do Deus de Amor, e da ventura;
Isso já se acabou; nada já dura;
Que tudo à vil desgraça está sujeito.

Tudo se muda enfim: nada há, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que nĂŁo encontre o fado, o tempo, a inveja.

Esta ordem natural a tudo alcança;
E se alguém um prodígio ver deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.

XLVIII

Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuĂ­a,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.

Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.

Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:

EntĂŁo Ă©, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruĂ­na, o bem fingido.