Sonetos sobre Ventura de Cruz e Souza

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Sonetos de ventura de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Sem Esperança

Ó cândidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vĂŁo Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.

Nas veredas da vida a alma nĂŁo cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no PerdĂŁo descansa.

Na volĂşpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.

E em vĂŁo alongo os vacilantes passos
Ă€ procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.

Ironia De Lágrimas

Junto da Morte Ă© que floresce a Vida!
Andamos rindo junto Ă  sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova Ă© como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lĂşgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vĂŁos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Cega

Parece-me que a luz imaculada
Que vem do teu olhar, todo doçuras,
NĂŁo verte no meu ser aquelas puras
Delícias de outra era já passada.

Eu creio que essa pálpebra adorada
NĂŁo mais um flĂłreo empĂ­reo de venturas
Descobre-me — na noite de amarguras,
De dúvidas intérminas cortada.

NĂŁo olhas como olhavas, rindo, outrora,
NĂŁo abres a pupila, como a aurora
Nascendo, abre, feliz, radiosa e calma.

A sombra, nos teus olhos, funda, existe!…
Tu’alma deve ser bem negra e triste
Se os olhos sĂŁo, decerto, o espelho d’alma.

Os Dois

Aos pobres

— Minha mĂŁe, minha mĂŁe, quanta grandeza
Nesses plácidos, quanta majestade;
Como essa gente há de viver, como há de
Ser grande sempre na feliz riqueza.

Nem uma lágrima sequer — e Ă  mesa
D’entre as baixelas, d’entre a imensidade
Da prata e do ouro — a azul felicidade
Dos bons manjares de Ăłtima surpresa.

Nem um instante os olhos rasos d’água,
Nem a ligeira oscilação da mágoa
Na vida farta de prazer, sonora.

— Como o teu louco pensamento expandes
Filho — a ventura nĂŁo Ă© sĂł dos grandes
Porque, olha, o mar tambĂ©m Ă© grande e… chore!