O Suspiro
Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos coraçÔes a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.
Sonetos sobre VĂ©nus
18 resultadosAdamastor Cruel! De Teus Furores
Adamastor cruel! De teus furores
Quantas vezes me lembro horrorizado!
Ă monstro! Quantas vezes tens tragado
Do soberbo Oriente os domadores!Parece-me que entregue a vis traidores
Estou vendo SepĂșlveda afamado,
Co’a esposa e co’os filhinhos abraçado,
Qual Mavorte com VĂ©nus e os Amores.Parece-me que vejo o triste esposo,
Perdida a tenra prole e a bela dama,
Ăs garras dos leĂ”es correr furioso.Bem te vingaste em nĂłs do afoito Gama!
Pelos nossos desastres Ă©s famoso.
Maldito Adamastor! Maldita fama!
Ad Instar Delphini
Teus pés são voluptuosos: é por isso
Que andas com tanta graça, ó Cassiopéia!
De onde te vem tal chama e tal feitiço,
Que dås idéia ao corpo, e corpo à idéia?CamÔes, valie-me! Adamastor, Magriço,
Dai-me força, e tu, VĂȘnus CiterĂ©ia,
Essa doçura, esse imortal derriço…
Quero também compor minha epopéia!não cantarei Helena e a antiga Tróia,
Nem as MissÔes e a nacional Lindóia,
Nem Deus, nem Diacho! Quero, oh por quem Ă©s,Flor ou mulher, chave do meu destino,
Quero cantar, como cantou Delfino,
As duas curvas de dois brancos pés.
Ao Mundo Esconde O Sol Seus Resplendores
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mĂŁo da Noite embrulha os horizontes;
nĂŁo cantam aves, nĂŁo murmuram fontes,
nĂŁo fala PĂŁ na boca dos pastores.Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.VĂȘnus, Palas e as filhas da MemĂłria,
deixando os grandes templos esquecidos,
nĂŁo se lembram de altares nem de glĂłria.Andam os elementos confundidos:
ah, JĂŽnia, JĂŽnia, dia de vitĂłria
sempre o mais triste foi para os vencidos!
A Carnal Tentação Desenfreada
A carnal tentação desenfreada
Que ao sangue quente alta justiça pede,
Fez com que eu, embrulhando-me na rede
Subisse de uma puta a infame escada.Ligeiras pulgas saltam de emboscada
Fartando em mim de sangue humano a sede;
Arde a vela pregada na parede,
JĂĄ de antigos morrĂ”es afogueada.Saiu da alcova a desgrenhada fĂșria
Respirando venal sensualidade,
Vil desalinho, sĂłrdida penĂșria:Muito pode a pobreza e a porquidade;
Abati as bandeiras Ă luxĂșria
Jurei no altar de VĂ©nus castidade.
Pelos Extremos Raros Que Mostrou
Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, VĂ©nus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Asia as adorou.Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana mĂĄquina lustrosa,
de sĂł quatro Elementos fabricou.Mas mor milagre fez a natureza
em vĂłs, Senhoras, pondo em cada ĂŒa
o que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplandor deu Sol e LĂŒa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Enquanto Febo Os Montes Acendia
Enquanto Febo os montes acendia
do CĂ©u com luminosa claridade,
por evitar do Ăłcio a castidade
na caça o tempo Délia despendia.Vénus, que então de furto descendia,
por cativar de Anquises a vontade,
vendo Diana em tanta honestidade,
quase zombando dela, lhe dizia:– Tu vĂĄs com tuas redes na espessura
os fugitivos cervos enredando,
mas as minhas enredam o sentido.-Melhor Ă© (respondia a deusa pura)
nas redes leves cervos ir tomando
que tomar-te a ti nelas teu marido.
Ideal
Aquela, que eu adoro, nĂŁo Ă© feita
De lĂrios nem de rosas purpurinas,
NĂŁo tem as formas languidas, divinas
Da antiga VĂ©nus de cintura estreita…NĂŁo Ă© a Circe, cuja mĂŁo suspeita
CompÔe filtros mortaes entre ruinas,
Nem a Amazona, que se agarra ĂĄs crinas
D’um corcel e combate satisfeita…A mim mesmo pergunto, e nĂŁo atino
Com o nome que dĂȘ a essa visĂŁo,
Que ora amostra ora esconde o meu destino…Ă como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidĂŁo,
Nuvem, sonho impalpĂĄvel do Desejo…
Plena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
PagĂŁs nuas no mĂĄrmore entalhadas;
Não essas produçÔes que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂȘncias destacadas…NĂŁo quero, a VĂȘnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂȘ-la
De transparente tĂșnica atravĂ©s:Quero vĂȘ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!
Dormindo
PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂssimo deitada,
Ela lembrava — a pĂĄlpebra cerrada —
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂmpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…Ela dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…
Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarĂŁo de morte
E Ela era a minha estrela, o meu Ășnico Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarĂŁo eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, SĂrius da minha Sorte
E da Noute da vida a VĂȘnus Redentora.Agora, oh! Minha MĂĄgoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num PĂĄlio auroral de Luz deslumbradora,Ascende Ă Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
Em louvor do grande CamÔes
Sobre os contrĂĄrios o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rĂĄpido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:Embora o bravo MacedĂłnio corte
Coa fulminante espada o nĂł fadado,
Que eu de mais nobre estĂmulo tocado,
Nem lhe amo a glória, nem lhe invejo a sorte:Invejo-te, CamÔes, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fĂșrias de Lieu raivoso:Os ais de InĂȘs, de VĂ©nus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O cĂ©u de Amor, o inferno do CiĂșme.
A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em sĂĄbia Palas, VĂ©nus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Ăsia as adorou.Aquele saber grande que juntou
EspĂrito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Diversos DÔes Reparte O Céu Benino
Diversos dÔes reparte o Céu benino,
e quer que cada ĂŒa um sĂł possua;
assi, ornou de casto peito a LĂŒa,
ornamento do assento cristalino.De graça, a Mãe fermosa do Minino,
que nessa vista tem perdido a sua;
Palas, de discrição, que imite a tua;
do valor, Juno, só de império dino.Mas junto agora o mesmo Céu derrama
em ti o mais que tinha, e foi o menos,
em respeito do Autor da natureza;que, a seu pesar, te dĂŁo, fermosa Dama,
Diana, honestidade, e graça, Vénus,
Palas o aviso seu, Juno a nobreza.
Classicismo
LongĂnquo descendente dos helenos
pelo espĂrito claro, a alma panteĂsta,
– amo a beleza esplĂȘndida de VĂȘnus
com uma alegria singular de artista!Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!Com os pĂ©s na terra tenho o olhar no cĂ©u;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lĂĄbios, tenho mel…Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mĂĄgica de PĂŁ!
Num Jardim Adornado De Verdura
Num jardim adornado de verdura,
a que esmaltam por cima vĂĄrias flores,
entrou um dia a deusa dos amores,
com a deusa da caça e da espessura.Diana tomou logo ĂŒa rosa pura,
VĂ©nus um roxo lĂrio, dos milhores;
mas excediam muito Ă s outras flores
as violas, na graça e fermosura.Perguntam a Cupido, que ali estava,
qual daquelas trĂȘs flores tomaria,
por mais suave, pura e mais fermosa?Sorrindo se, o Minino lhe tornava:
todas fermosas sĂŁo, mas eu queria
V i o l ‘a n t e s que lĂrio, nem que rosa.
à Tranças De Que Amor PrisÔes Me Tece
à tranças de que Amor prisÔes me tece,
Ă mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
à tesouro! à mistério! à par sagrado,
Onde o menino alĂgero adormece!Ă ledos olhos, cuja luz parece
TĂȘnue raio de sol! Ă gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!Ă lĂĄbios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂșpiter suspira!Ă perfeiçÔes! Ă dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂȘnus? – Ă mentira;
Sois de MarĂlia, sois dos meus amores.
Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difĂcil de ler.Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, nĂŁo ser.Esse meu verbo antipĂĄtico e impuro
hĂĄ de pungir, hĂĄ de fazer sofrer,
tendĂŁo de VĂȘnus sob o pedicuro.NinguĂ©m o lembrarĂĄ: tiro no muro,
cĂŁo mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.