Sonetos sobre Verdade de Antero de Quental

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Sonetos de verdade de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Mors Liberatrix

(A BulhĂŁo Pato)

Na tua mĂŁo, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escuridĂŁo como um luzeiro.

Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas…
Só o gládio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.

— «Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavaleiro-andante)
É porque esta é a espada da Verdade.

Firo, mas salvo… Prostro e desbarato,
Mas consolo… Subverto, mas resgato…
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»

Consulta

Chamei em volta do meu frio leito
As memĂłrias melhores de outra idade,
Formas vagas, que Ă s noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito…

E disse-lhes: No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-mo com verdade,
Pobres memĂłrias que eu ao seio estreito.

Mas elas perturbaram-se – coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena…

E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mĂłrbido, pungente,
Me respondeu: – NĂŁo, nĂŁo valia a pena!

Disputa em FamĂ­lia

I

Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:

« — Cessou o império enfim da força bruta!
NĂŁo sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mĂŁo tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!

Enquanto tu dormias impassĂ­vel,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinĂ­vel…

Já provámos os frutos da verdade…
Ă“ Deus grande, Ăł Deus forte, Ăł Deus terrĂ­vel.
NĂŁo passas d’uma vĂŁ banalidade! — »

II

Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,

Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:

« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.

Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,

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Amaritudo

SĂł por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.

De templo em templo, em vĂŁo, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma Ă­ntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.

Ă€ beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —

Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

NĂŁo que de larvas me povĂ´e a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que mĂ­sticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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A JoĂŁo De Deus

Se Ă© lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vĂŁ toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E sĂł ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que há de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida;
Se procura, sĂł acha… o desatino!

SĂł Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degrêdo, o céu destino.