Sonetos sobre Verdade de Fernando Pessoa

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Sonetos de verdade de Fernando Pessoa. Leia este e outros sonetos de Fernando Pessoa em Poetris.

Em Busca Da Beleza III

SĂł que puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar… tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez apĂłs vez.

A estupidez achou sempre o que quis
Do cĂ­rculo banal da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano se desfez
Com quem um falso mundo seu condiz.

Hå dois males: verdade e aspiração,
E hĂĄ uma forma sĂł de os saber males:
É conhecĂȘ-los bem, saber que sĂŁo

Um o horror real, o outro o vazio –
Horror nĂŁo menos – dois como que vales
Duma montanha que ninguém subiu.

Depois Que O Som Da Terra, Que É NĂŁo TĂȘ-Lo

Depois que o som da terra, que Ă© nĂŁo tĂȘ-lo,
Passou, nuvem obscura, sobre o vale
E uma brisa afastando meu cabelo
Me diz que fale, ou me diz que cale,

A nova claridade veio, e o sol
Depois, ele mesmo , e tudo era verdade,
Mas quem me deu sentir e a sua prole?
Quem me vendeu nas hastas da vontade?

Nada. Uma nova obliquação da luz,
Interregno factĂ­cio onde a erva esfria.
E o pensamento inĂștil se conduz

Até saber que nada vale ou pesa.
E nĂŁo sei se isto me ensimesma ou alheia,
Nem sei se Ă© alegria ou se Ă© tristeza.

Quando Olho Para Mim NĂŁo Me Percebo.

Quando olho para mim nĂŁo me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio Ă s vezes ao sair
Das próprias sensaçÔes que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensaçÔes que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensaçÔes sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mĂŁos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque Ă© ausĂȘncia e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nĂłs exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.

HĂĄ Um PaĂ­s Imenso Mais Real

HĂĄ um paĂ­s imenso mais real
Do que a vida que o mundo mostra Ter
Mais do que a Natureza natural
À verdade tremendo de viver.

Sob um céu uno e plåcido e normal
Onde nada se mostra haver ou ser
Onde nem vento geme, nem fatal
A idéias de uma nuvem se faz crer,

Jaz – uma terra nĂŁo – nĂŁo hĂĄ um solo
Mas estranha, gelando em desconsolo
À alma que vĂȘ esse paĂ­s sem vĂ©u,

Hirtamente silente nos espaços
Uma floresta de escarnados braços
Inutilmente erguidos para o céu.

Quando, Despertos Deste Sono, A Vida

Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,

Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que Ă© tudo que hĂĄ ou flui?
NĂŁo: nem na Alma livre Ă© conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.

Deus Ă© o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador;

Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, Espírito Seu, Lha veda;
Aquém não a hå no Mundo, Corpo Seu.