Sonetos sobre Verdade

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Sonetos de verdade escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Nostalgia

Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi…
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

O meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim…
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Nua E Crua

Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vê-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;

O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!

Fita-a em seguida, e atônito recua…
– Ó Musa! exclama então, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!

Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?…
À nudez da Verdade quem resiste?!

Consulta

Chamei em volta do meu frio leito
As memórias melhores de outra idade,
Formas vagas, que às noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito…

E disse-lhes: No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-mo com verdade,
Pobres memórias que eu ao seio estreito.

Mas elas perturbaram-se – coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena…

E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mórbido, pungente,
Me respondeu: – Não, não valia a pena!

Em Busca Da Beleza III

Só que puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar… tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez após vez.

A estupidez achou sempre o que quis
Do círculo banal da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano se desfez
Com quem um falso mundo seu condiz.

Há dois males: verdade e aspiração,
E há uma forma só de os saber males:
É conhecê-los bem, saber que são

Um o horror real, o outro o vazio –
Horror não menos – dois como que vales
Duma montanha que ninguém subiu.

Para Quê?

Ao velho amigo João

Para quê ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angústia estranha

E todo este feitiço e este enredo
Do nosso próprio peito? E é tamanha
E tão profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

Para quê ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vão nas sílabas dum verso?

Essa Aritmética

Antes, eu era apenas metade
de um Ser, a pervagar sem rumo certo,
à procura ideal dessa unidade
que é como um novo mundo descoberto.

Enquanto sós, que somos? Um deserto
a nos pesar com sua imensidade,
existir só começa, a céu aberto,
quando dois são um só – eis a verdade!

Eu vinha por aí, aos solavancos,
como se diz: aos trancos e barrancos,
um pedaço a rolar, uma metade

de um Ser, mas quis a sorte, nos achamos,
e ao nos somarmos, nos multiplicamos
nessa aritmética da felicidade.

Disputa em Família

I

Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:

« — Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!

Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinível…

Já provámos os frutos da verdade…
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d’uma vã banalidade! — »

II

Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,

Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:

« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.

Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,

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Lágrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Que Hei De Fazer ?

Por certo havia rastros e pegadas
pelos caminhos onde me perdi,
e colhi rosas brancas e encarnadas
que se despetalaram por aí.

Quantos tudos julguei, que foram nadas,
quanto amor batizei que não senti,
– até o momento em que as encruzilhadas
se desencruzilharam – rumo a ti.

Que hei de fazer? Farei tudo que possa
para que aceites a felicidade
que depende de ti para ser nossa…

Pode ser tudo estranho e paradoxal;
julgas que foste a última, e em verdade
foste a primeira e única afinal.

Amaritudo

Só por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.

De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma íntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.

À beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —

Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me Alguém
“Eleva-te num vôo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Última Deusa

Foram-se os deuses, foram-se, eu verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.

Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisível bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.

De lá trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
Rútilo rola o teu cabelo esparto…

Pisas alheia terra… Essa tristeza
Que possuis é de estátua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.

Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!

Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p’ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!

Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso…

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P’ra suportar melhor quem tem juízo.

VI

Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis entoa a voz cadente!

Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!

Recebei (eu vos peco) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:

Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razão da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que só nesta caverna encontro abrigo,
Porque não busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrível pregão da eternidade!

Depois Que O Som Da Terra, Que É Não Tê-Lo

Depois que o som da terra, que é não tê-lo,
Passou, nuvem obscura, sobre o vale
E uma brisa afastando meu cabelo
Me diz que fale, ou me diz que cale,

A nova claridade veio, e o sol
Depois, ele mesmo , e tudo era verdade,
Mas quem me deu sentir e a sua prole?
Quem me vendeu nas hastas da vontade?

Nada. Uma nova obliquação da luz,
Interregno factício onde a erva esfria.
E o pensamento inútil se conduz

Até saber que nada vale ou pesa.
E não sei se isto me ensimesma ou alheia,
Nem sei se é alegria ou se é tristeza.

Quando Olho Para Mim Não Me Percebo.

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

O Perfume

O que sou eu? – O Perfume,
Dizem os homens. – Serei.
Mas o que sou nem eu sei…
Sou uma sombra de lume!

Rasgo a aragem como um gume
De espada: Subi. Voei.
Onde passava, deixei
A essência que me resume.

Liberdade, eu me cativo:
Numa renda, um nada, eu vivo
Vida de Sonho e Verdade!

Passam os dias, e em vão!
– Eu sou a Recordação;
Sou mais, ainda: a Saudade.

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.