A Tua Voz de Primavera
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!Sinfonia de luz meu corpo nĂŁo repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo… olhai!
Iguala o sol que sempre Ă s ondas cai,
Sem que a visĂŁo dos poentes se complete!Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
TĂŞm a firmeza elástica dos gamos…Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
SĂł me exalto e sou linda para ti!
Sonetos sobre Vida de Florbela Espanca
48 resultadosPequenina
Ă€ Maria Helena FalcĂŁo Risques
És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idĂlio cor-de-rosa…
Haste de lĂrio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!Doce quimera que a nossa alma deve
Ao CĂ©u que assim te fez tĂŁo graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!O ver o teu olhar faz bem Ă gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…Pequenina que a MĂŁe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…
Doce Certeza
Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E nĂŁo te lembrarás de mim sequer…Hás de tecer uns sonhos delicados…
HĂŁo de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!…Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que sĂŁo meus versos!…
Ao Vento
O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente! …Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sĂłs comigo,
E nĂŁo rias assim ! … Ă“ vento, chora!Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
e a gente andar a rir pla vida fora!! …
Deixai Entrar A Morte
Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mĂŁos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, nĂŁo encontrou nada!Ă“ MĂŁe! Ă“ minha MĂŁe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxestePra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lĂrio que em má hora foi nascido!…
Prince Charmant
A Raul Proença
No lânguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Procurei-O no meio de toda a gente.
Procurei-O em horas silenciosas!Ă“ noites da minh’alma tenebrosas!
Boca sangrando beijos, flor que sente…
Olhos postos num sonho, humildemente…
MĂŁos cheias de violetas e de rosas…E nunca O encontrei!…Prince Charmant…
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virá, talvez, nas névoas da manhã!Em toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…
— Nunca se encontra Aquele que se espera!…
A Minha Tragédia
Tenho Ăłdio Ă luz e raiva Ă claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!Ă“ minha vĂŁ, inĂştil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …
Hora que Passa
Vejo-me triste, abandonada e sĂł
Bem como um cĂŁo sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor Ă© cinza, Ă© pĂł,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!Que tragĂ©dia tĂŁo funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!Deus! Como Ă© triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…
Sou Eu!
Ă€ minha ilustre camarada Laura haves
Pelos campos em fora, pelos combros,
Pelos montes que embalam a manhĂŁ,
Largo os meus rubros sonhos de pagĂŁ,
Enquanto as aves poisam nos meus ombros…Em vĂŁo me sepultaram entre escombros
De catedrais duma escultura vĂŁ!
Olha-me o loiro sol tonto de assombros,
as nuvens, a chorar, chamam-me irmĂŁ!Ecos longĂnquos de ondas… de universos..
Ecos dum Mundo… dum distante AlĂ©m,
Donde eu trouxe a magia dos meus versos!Sou eu! Sou eu! A que nas mĂŁos ansiosas
Prendeu da vida, assim como ninguém,
Os maus espinhos sem tocar nas rosas!
Pior Velhice
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso sĂŁo andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mĂstica de louca
MartĂrios sĂł poisou a emurchecer!E dizem que sou nova… A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova… outrora…
A Vida
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
InĂştil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo Ă© que lançar flores ao vento!Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria Ă© feita dum tormento,
Um riso Ă© sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!A mais nobre ilusĂŁo morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nĂłs renasce
Que no mesmo momento Ă© já perdida…Amar-te a vida inteira eu nĂŁo podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se Ă© isto a vida!…
Ser Poeta
Ser Poeta Ă© ser mais alto, Ă© ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!É ter de mil desejos o esplendor
E nĂŁo saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhĂŁs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num sĂł grito!E Ă© amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizĂŞ-lo cantando a toda gente!
Mocidade
A mocidade esplĂŞndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vĂŞ num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espĂrito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmĂŁ tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tĂŁo pequeno… e a vida, água a fugir…
Trazes-me em Tuas MĂŁos de Vitorioso
Trazes-me em tuas mĂŁos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.Neste meio-dia lĂmpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.O silĂŞncio, ao redor, Ă© uma asa quieta…
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta…Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo…
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços másculos de vândalo…
As Minhas Ilusões
Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂvel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ăşltimo suspiro, a estremecer!O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …
Em VĂŁo
Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
a flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!E eu quero bem a tudo, a toda gente…
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!
Mais Alto
Mais alto, sim! Mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quemO mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdĂ©m!Mais alto, sim! Mais alto! A IntangĂvel
Turris Eburnea erguida nos espaços,
Ă€ rutilante luz dum impossĂvel!Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!
De Joelhos
“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, sĂł para te ver …Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixĂŁo fervente e louca!E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!
Em Busca do Amor
O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, Ă chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu … olhou … e riu …Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados …
E eu paro a murmurar: “NinguĂ©m o viu! …”
Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!