Ai de Mim!
Venho, torna-me velho esta lembrança!
D’um enterro d’anjinho, nobre e puro:
Infancia, era este o nome da criança
Que, hoje, dorme entre os bichos, lá no escuro…Trez anjos, a Chymera, o Amor, a Esperança
Acompanharam-n’o ao jazigo obscuro,
E recebeu, segundo a velha usança,
A chave do caixão o meu Futuro.Hoje, ambulante e abandonada Ermida,
Leva-me o fado, á bruta, aos empurrões,
Vá para a frente! Marcha! Á Vida! Á Vida!Que hei-de fazer, Senhor! o qu’é que espera
Um bacharel formado em illuzões
Pela Universidade da Chymera?
Sonetos sobre Vida
545 resultadosDebaixo Do Tamarindo
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!Hoje, esta árvore de amplos agasalhos
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade,
A minha sombra há de ficar aqui!
O Meu Sonho Habitual
Tenho às vezes um sonho estranho e penetrante
Com uma desconhecida, que amo e que me ama
E que, de cada vez, nunca é bem a mesma
Nem é bem qualquer outra, e me ama e compreende.Porque me entende, e o meu coração, transparente
Só pra ela, ah!, deixa de ser um problema
Só pra ela, e os suores da minha testa pálida,
Só ela, quando chora, sabe refrescá-los.Será morena, loira ou ruiva? — Ainda ignoro.
O seu nome? Recordo que é suave e sonoro
Como esses dos amantes que a vida exilou.O olhar é semelhante ao olhar das estátuas
E quanto à voz, distante e calma e grave, guarda
Inflexões de outras vozes que o tempo calou.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Retrospecto
Vinte e seis anos, trinta amores: trinta
vezes a alma de sonhos fatigada.
e, ao fim de tudo, como ao fim de cada
amor, a alma de amor sempre faminta!Ó mocidade que foges! brada
aos meus ouvidos teu futuro, e pinta
aos meus olhos mortais, com toda a tinta,
os remorsos da vida dissipada!Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que é que vejo? que sinto? que me resta?Nada: ao fim do caminho percorrido,
o ódio de trinta vezes ter jurado
e o horror de trinta vezes ter mentido!
Ao Pé Do Túmulo
Aos meus
Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.
O Avarento
No meio de seus cofres, desvelado,
Co’as tampas levantadas, rasas de ouro,
Cevando a vista está no metal louro
Dele o cioso Avarento namorado.Temendo que lhe venha a ser roubado,
Emprega alma e vida em seu tesouro,
Girando com os olhos, qual besouro,
Zumbindo sem cessar, afervorado.Fechado nele está, com sete portas,
Com temor de algum fero arrombamento
De astutas invenções, de ideias tortas.Não emprega em mais nada o pensamento.
Cega ambição de vãs riquezas mortas!
Quão infeliz não és, louco avarento!
Freira
Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
há perdido – bem sei – um mistério qualquer…
– quem sabe se pecaste… e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que és bela e que é mulher…Hoje es santa… O passado passou — é passado…
– dele já não terás uma ilusão sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silêncio… e em teu árduo mister…Mais à frente está a vida… a vida humana e bela!
– teu presente é uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela…Evadida do mundo – ao ver-te, à luz do dia
– não sei se te admiro a renúncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!
Qual É A Tarde Por Achar
Qual é a tarde por achar
Em que teremos todos razão
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo verão,Ou, sendo inverno, baste ‘star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual é a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora não.Qual é a mão cariciosa
Que há de ser enfermeira minha –
Sem doenças minha vida ousa –Oh, essa mão é morta e osso …
Só a lembrança me acarinha
O coração com que não posso.
Os Enganos do Viver
REPETE A FRAGILIDADE DA VIDA E APONTA OS SEUS ENGANOS E OS SEUS INIMIGOS
Que outra verdade hav’rá senão pobreza
nesta vida tão frágil, leviana?
Os dois embustes são da vida humana,
no berço começando, honra e riqueza.O tempo, que não volta nem tropeça,
em horas fugitivas só a engana;
em errado ansiar, sempre tirana,
Fortuna faz cansar sua fraqueza.Vive morte calada e divertida
a própria vida; a saúde é guerra
por seu próprio alimento combatida.Oh, quanto, distraído, o homem erra:
que em terra teme ver tombar a vida
e não vê que, ao viver, caiu por terra!Tradução de José Bento
No Seio Da Terra
Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que têm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!
Barco Perdido
Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…
Soneto VI
Qual naufragante mísero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c’os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.Em meio de mil barcas clamo, e brado:
“Me lancem por piedade um cabo forte!”,
Mas a ninguém magoa meu cuidado.Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.
Psicologia De Um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Ode I
O poeta se dirige ao silêncio.
E o diálogo, sua vida.— Eu vos amo a todos,
ventos, rios, mares,
eu vos amo, meus irmãos.Ao redor,
nenhuma voz entrecorta
sua solidão palpitante.
Mas ele crê:
de um pequeno murmúrio,
tece ao menos um eco.Vida de poeta,
no apelo de um brilho,
no encontro de um reflexo.
No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse
No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tão longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado)
já sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho já, que não a tenho.
Amargura
Só podes me ofertar o silêncio e a amargura,
– meu pobre amor de ti só espera a indiferença…
Perdoa o meu amor… perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa…Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença…
Foi então que te vi… e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa…E foi assim que um dia eu fui sentimental…
Acreditei no amor… E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer – mas não te quero mal…Quem amou, fui eu só… Eu nunca fui amado!…
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!
Se é Doce
Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.
Manias
O mundo é velha cena ensanguentada.
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada -,
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância, quixotesca.Aos domingos a déia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!
O Raio Cristalino S’estendia
O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lágrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no Céu, assi dezia:-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tão triste nenhüa outra pastora.
Vae para um Convento!
Falhei na Vida. Zut! Ideaes caidos!
Torres por terra! As arvores sem ramos!
Ó meus amigos! todos nós falhamos…
Nada nos resta. Somos uns perdidos.Choremos, abracemo-nos, unidos!
Que fazer? Porque não nos suicidamos?
Jezus! Jezus! Resignação… Formamos
No mundo, o Claustro-pleno dos Vencidos.Troquemos o burel por esta capa!
Ao longe, os sinos mysticos da Trappa
Clamam por nós, convidam-nos a entrar…Vamos semear o pão, podar as uvas,
Pegae na enxada, descalçae as luvas,
Tendes bom corpo, Irmãos! Vamos cavar…