Lamento do Poeta Objectivo
Anda-me o amor tomando a própria vida,
como se, amando, eu existisse mais.
E leva-me o Destino em voz traída,
como se houvera encontros desiguais.A multidão me cerca, e, renascida,
já dela terei fome de sinais.
E, mal a noite se demora ardida,
o medo e a solidão me esfriam taisas cinzas desse amor que sacrifico.
Não é futura a só miséria. A queixa
também não é: e apenas aconteceno vácuo imenso que este amor me deixa,
quando maior, quando de si mais rico,
se dá de mundo em mundo, e lá me esquece.
Sonetos sobre Vida
545 resultadosA Vida
“A Vida”
IV
“…A vida é assim, uma ânsia… feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
– apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
– a vida é assim… um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga…O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre”um amanhã”cheio de dor
para”um hoje”nem sempre de ventura…Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!…”
Manhã
Alta alvorada. — Os últimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrídula batalha
De elementos contrários e altaneiros.Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vão se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.E como um rei num galeão do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.
Um Pássaro a Morrer
Não é vida nem morte, é uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se já não me seduz outra viagem?E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, só tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mão,sem um búzio a cantar ao meu ouvido.
Só tristeza, um silêncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.
Alma Serena
Alma serena, a consciência pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade não é dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.Não me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada é esta:
difícil de subir, áspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.Assim meu canto fácil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, água corrente.Tão fácil o difícil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrás dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.
A Vida
“A Vida”
III
“… A vida é assim, segue e verás, – a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida…Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida…
– amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida…A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança…E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!…”
XIV
Viver não pude sem que o fel provasse
Desse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não há que passe
Virgem de todo pela vida humana.Por que tanta serpente atra e profana
Dentro d’alma deixei que se aninhasse?
Por que, abrasado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face?Depois dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti duro castigo aos meus desejos
O gume fino de perversos dentes…E não posso das faces poluídas
Apagar os vestígios desses beijos
E os sangrentos sinais dessas feridas!
Soneto VIII
Da virtude que move os Céus depende
Todo o bem, toda a glória e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glória mais que vida ou ser pretende.Mas nem há-de faltar essa virtude
Se não c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.Então para que nunca mais se mude,
Se mudará, e mudar-se Amor nessa hora,
Será para outro Amor que sempre dura.
Poética
Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesiaE na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo.
(Um templo sem Deus.)Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
…. Entrai, irmãos meus!
Um Soneto Começo Em Vosso Gabo;
Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.
Ruínas
Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.
Finalmente outra Vez Vejo Perdida
Finalmente outra vez vejo perdida
Às mãos do amor, a doce liberdade
Que já livrei da sua crueldade
Como quem de um naufrágio salva a vida.Já no meu coração nova ferida
Abrem os duros golpes da saudade;
E já vive outra vez minha vontade
De esperanças aéreas revestida.Nunca cuidei que visse, amor tirano,
Tão depressa quebrado o juramento
Que fiz no puro altar do desengano.Mas quem pode viver de amor isento,
Vendo naquele rosto soberano
De tais olhos o doce movimento?
Ilha
Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescentepromontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescenteDeitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorroou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias
Minha Vida!
Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe à minha dor,
exige tudo, a minha vida e crê
que ta darei com alegria, amor!Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se não és contente!
Destino
Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.Deus te leve, água pura e fresca!… A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te levaPara o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.
Juízo
Quando, nos quatro ângulos da Terra,
Troarem as trombetas ressurgentes,
Despertadoras dos mortais dormentes,
Por onde um Deus irado aos homens berra:Prontos, num campo, em apinhada serra,
Todos nus assistir devem viventes
Ao Juízo Final e ver, patentes,
Seus delitos, que um livro eterno encerra.Então, aberto o Céu, e o Inferno aberto,
Todos ali verão: e a sorte imensa
Duma mágoa sem fim, dum gozo certo.Verão recto juiz pesar a ofensa
Na balança integral, e o justo acerto,
Dando da vida e morte igual sentença.
Anseio
Que sou eu, neste ergástulo das vidas
Danadamente, a soluçar de dor?!
– Trinta triliões de células vencidas,
Nutrindo uma efeméride inferior.Branda, entanto, a afagar tantas feridas,
A áurea mão taumitúrgica do Amor
Traça, nas minhas formas carcomidas,
A estrutura de um mundo superior!Alta noite, esse mundo incoerente
Essa elementaríssima semente
Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal…Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto,
E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto
Não poder dar-lhe vida material!
As Putas da Avenida
Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucenavi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordenaessa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorenamas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena
Tudo Esqueço
Tudo posso esquecer em minha vida
inquieta e livre como uma enxurrada:
– a ilusão, num segundo, mais querida…
– a mulher, num segundo, mais amada…a visão de algum trecho azul da estrada
entre ternos carinhos percorrida;
– uma história que um dia interrompida
nunca mais afinal foi terminada!Os desejos… os sonhos… os amores…
que julgo eternos, e que por enquanto
despetalam-se e morrem como flores…Esqueço tudo! O que passou, morreu!
Só não consigo me esquecer no entanto
da primeira mulher que me esqueceu…
De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glória que em sofrer tal pena sentem.