Sonetos sobre Vida de Raimundo Correia

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Sonetos de vida de Raimundo Correia. Leia este e outros sonetos de Raimundo Correia em Poetris.

Amor E Vida

Esconde-me a alma, no Ă­ntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.

A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!

Ă“ meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!

E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ă“ meu sacro, Ăł meu Ăşnico tesouro!
Ó meu amor! tu morrerás comigo!

Ăšltimo Porto

Este o paĂ­s ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mĂŁe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.

Desdéns

Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz… O sândalo se evolua;

O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas…
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolĂŞncia mĂłrbida, espanhola…

Como eu sou infeliz! Como Ă© sangrenta
Essa mĂŁo impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!

Essa mĂŁo de fidalga, fina e branca;
Essa mĂŁo, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!

O Vinho De Hebe

Quando do Olimpo nos festins surgia
Hebe risonha, os deuses majestosos
Os copos estendiam-lhe, ruidosos,
E ela, passando, os copos lhes enchia…

A Mocidade, assim, na rubra orgia
Da vida, alegre e prĂłdiga de gozos,
Passa por nós, e nós também, sequiosos,
Nossa taça estendemos-lhe, vazia…

E o vinho do prazer em nossa taça
Verte-nos ela, verte-nos e passa…
Passa, e não torna atrás o seu caminho.

Nós chamamo-la em vão; em nossos lábios
Restam apenas tímidos ressábios,
Como recordações daquele vinho.

Fetichismo

Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vĂŁo: – Que cĂ©us habita
Deus? Onde essa regiĂŁo de luz bendita,
ParaĂ­so dos justos e dos crentes?…

Em vĂŁo tateiam tuas mĂŁos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dĂşvida atroz blasfema e grita,
E onde há sĂł queixas e ranger de dentes…

A essa abĂłbada escura, em vĂŁo elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; Ă© tudo em torno trevas…

Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que Ă© o ruĂ­do dos teus prĂłprios passos!…