Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga
Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos não possam tirar, nem vãos perigos.Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.
Sonetos sobre Vozes de LuĂs de Camões
10 resultadosDe TĂŁo Divino Acento E Voz Humana
De tĂŁo divino acento e voz humana,
de tĂŁo doces palavras peregrinas,
bem sei que minhas obras nĂŁo sĂŁo dinas,
que o rudo engenho meu me desengana.Mas de vossos escritos corre e mana
licor que vence as águas cabalinas;
e convosco do Tejo as flores finas
farĂŁo enveja Ă cĂłpia mantuana.E pois, a vĂłs de si nĂŁo sendo avaras,
as filhas de MnemĂłsine fermosa
partes dadas vos tem, ao mundo caras,a minha Musa e a vossa tĂŁo famosa,
ambas posso chamar ao mundo raras:
a vossa d’alta, a minha d’envejosa.
Que o Rudo Engenho Meu me Desengana
De tĂŁo divino acento em voz humana,
De elegâncias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras nĂŁo sĂŁo dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
FarĂŁo inveja Ă cĂłpia Mantuana.E pois a vĂłs, de si nĂŁo sendo avaras,
As filhas de MnemĂłsine fermosa
Partes dadas vos tĂŞm ao mundo claras;A minha Musa, e a vossa tĂŁo famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.
O CĂ©u, A Terra, O Vento Sossegado
O cĂ©u, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silĂŞncio repousado…O pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes à morte estar sujeita.Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
NĂŁo Canse o Cego Amor de me Guiar
Pois meus olhos nĂŁo cansam de chorar
Tristezas nĂŁo cansadas de cansar-me;
Pois nĂŁo se abranda o fogo em que abrasar-me
PĂ´de quem eu jamais pude abrandar;NĂŁo canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me nĂŁo deixar.E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.
Quando Eu Via o Triste Fim que Davam os Meus Amores
O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.Deseja lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.
O cisne, quando sente ser chegada
O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
MĂşsica com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor mio.
Coitado! que em um tempo choro e rio
Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.Queria, se ser pudesse, o impossĂvel;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;Queria que visto fosse e invisĂvel;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!
Senhor JoĂŁo Lopes, O Meu Baixo Estado
Senhor JoĂŁo Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tĂŁo excelente,
que vĂłs, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.Vi o gesto suave e delicado
que já vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os corações obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.
Cantando Estava Um Dia Bem Seguro Quando
Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, SĂlvio me dizia
(SĂlvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):-MĂ©ris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virĂŁo em um sĂł dia
dous lobos; logo a voz e a melodia
te fugirĂŁo, e o som suave e puro.Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!