Quatro Sonetos De Meditação – III
O efêmero. Ora, um pássaro no vale
Cantou por um momento, outrora, mas
O vale escuta ainda envolto em paz
Para que a voz do pássaro não cale.E uma fonte futura, hoje primária
No seio da montanha, irromperá
Fatal, da pedra ardente, e levará
À voz a melodia necessária.O efêmero. E mais tarde, quando antigas
Se fizerem as flores, e as cantigas
A uma nova emoção morrerem, cedoQuem conhecer o vale e o seu segredo
Nem sequer pensará na fonte, a sós…
Porém o vale há de escutar a voz.
Sonetos sobre Vozes de Vinicius de Moraes
5 resultadosSoneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alísios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambêm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Soneto De Um Casamento
Na sala de luz lívida, sorriam
Sombras imóveis; e outras lacrimosas
Perseguiam lembranças dolorosas
Na exaltação das flores que morriam.Em vácuos de perfume, descaíam
Diáfanos, de diáfanas mãos piedosas
Fátuos sons de brilhantes que fremiam
Entre a crepitação lenta das rosas.Nas taças cheias acendiam círios
Votivos, e entre as taças e o lírios
Vozes veladas, nessa mesa postaVelavam… enquanto plácida e perdida
Irreal e longínqua como a vida
Toda de branco perpassava a Morta.
Soneto Da Rosa Tardia
Como uma jovem rosa, a minha amada…
Morena, linda, esgalga, penumbrosa
Parece a flor colhida, ainda orvalhada
Justo no instante de tornar-se rosa.Ah, porque não a deixas intocada
Poeta, tu que es pai, na misteriosa
Fragrância do seu ser, feito de cada
Coisa tão frágil que perfaz a rosa…Mas (diz-me a Voz) por que deixa-la em haste
Agora que ela e’ rosa comovida
De ser na tua vida o que buscasteTão dolorosamente pela vida ?
Ela e’ rosa, poeta… assim se chama…
Sente bem seu perfume… Ela te ama…
Quatro Sonetos De Meditação – IV
Apavorado acordo, em treva. O luar
É como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonâmbulo e sem fim.Desço na noite, envolto em sono; e os braços
Como ímãs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos e devassos
Assoviam de mim na voz do vento.Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
Sem dimensão e sem razão me leva
Para o silêncio onde o Silêncio dormeEnorme. E como o mar denro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito.