[…], creio que se pode admitir que a sorte seja árbitra da metade dos nossos atos, mas que nos permite o controle sobre a outra metade, aproximadamente.
Passagens sobre Sorte
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Fiz anos hoje… Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me não deixa lembrar a paz, o encanto,
A doce luz de meu viver de outr’ora.Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre d’esse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o vôo a mão da sorte…
Minha ventura só durou um dia.
Neruda e García Lorca em Homenagem a Rubén Dario
Eis o texto do discurso:
Neruda: Senhoras…
Lorca: …e senhores. Existe na lide dos touros uma sorte chamada «toreio dei alimón», em que dois toureiros furtam o corpo ao touro protegidos pela mesma capa.
Neruda: Federico e eu, ligados por um fio eléctrico, vamos emparelhar e responder a esta recepção tão significativa.
Lorca: É costume nestas reuniões que os poetas mostrem a sua palavra viva, prata ou madeira, e saúdem com a sua voz própria os companheiros e amigos.
Neruda: Mas nós vamos colocar entre vós um morto, um comensal viúvo, escuro nas trevas de uma morte maior que as outras mortes, viúvo da vida, da qual foi na sua hora um marido deslumbrante. Vamos esconder-nos sob a sua sombra ardente, vamos repetir-lhe o nome até que a sua grande força salte do esquecimento.
Lorca: Nós, depois de enviarmos o nosso abraço com ternura de pinguim ao delicado poeta Amado Villar, vamos lançar um grande nome sobre a toalha, na certeza de que vão estalar as taças, saltar os garfos, buscando o olhar que todos anseiam, e que um golpe de mar há-de manchar as toalhas. Nós vamos evocar o poeta da América e da Espanha: Rubén…
Uma Alma Grande e Corajosa
Um espírito corajoso e grande é reconhecido principalmente devido a duas características: uma consiste no desprezo pelas coisas exteriores, na convicção de que o homem, independentemente do que é belo e conveniente, não deve admirar, decidir ou escolher coisa alguma nem deixar-se abater por homem algum, por qualquer questão espiritual ou simplesmente pela má fortuna. A outra consiste no facto – especialmente quando o espírito é disciplinado na maneira acima referida – de se dever realizar feitos, não só grandes e seguramente, bastante úteis, mas ainda em grande número, árduos e cheios de trabalhos e perigos, tanto para a vida como para as muitas coisas que à vida interessam.
Todo o esplendor, toda a dimensão (devo acrescentar ainda a utilidade), pertencem à segunda destas duas características; porém, a causa e o princípio eficiente, que os tornam homens grandes, à primeira.
Naquela está, com efeito, aquilo que torna os espíritos excelentes e desdenhosos das coisas humanas. Na verdade, pode isto ser reconhecido por duas condições: em primeiro lugar, se estimares alguma coisa como sendo boa unicamente porque é honesta, em segundo lugar, se te encontrares livre de toda a perturbação de espírito. Consequentemente, o facto de se ter em pouca conta aquelas coisas humanas e de se desprezar,
Gosto Relevante
Toda a boa capacidade é difícil de contentar. Há cultura do gosto, assim como do engenho. Relevantes ambos, são irmãos de um mesmo ventre, filhos da capacidade, herdados por igual na excelência. Engenho sublime nunca criou gosto rasteiro.
Há perfeições como sóis e há perfeições como luzes. Galanteia a águia o sol, perde-se nele a mariposa pela luz de uma candeia e toma-se a altura a uma torrente pela elevação do gosto. Tê-lo bom é já algo, tê-lo relevante muito é. Ligam-se os gostos à comunicação, e só por sorte se avista quem o tenha superlativo.
Têm muitos por felicidade (de empréstimo será) gozar do que lhes apetece, condenando a infelizes todos os demais; mas desforram-se estes com as mesmas linhas, assim se podendo ver uma metade do mundo rindo-se da outra, com maior ou menor necessidade.
É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de satisfazer; os mais valentes objectos temem-no e as mais seguras perfeições receiam-no. É a avaliação preciosíssima, e regateá-la é próprio de discretos; toda a escassez em moeda de aplauso é fidalga e, ao contrário, os desperdícios de estima merecem castigo de desprezo.
A admiração é vulgarmente um manifesto da ignorância;
A Habilidade Específica do Político
A habilidade específica do político consiste em saber que paixões pode com maior facilidade despertar e como evitar, quando despertas, que sejam nocivas a ele próprio e aos seus aliados. Na política como na moeda há uma lei de Gresham; o homem que visa a objectivos mais nobres será expulso, excepto naqueles raros momentos (principalmente revoluções) em que o idealismo se conjuga com um poderoso movimento de paixão interesseira. Além disso, como os políticos estão divididos em grupos rivais, visam a dividir a nação, a menos que tenham a sorte de a unir na guerra contra outra. Vivem à custa do «ruído e da fúria, que nada significam». Não podem prestar atenção a nada que seja difícil de explicar, nem a nada que não acarrete divisão (seja entre nações ou na frente nacional), nem a nada que reduza o poderio dos políticos como classe.
A Vantagem do Entendimento
A carne considera os prazeres ilimitados e seria mister um tempo infinito para satisfazê-la. Mas o entendimento, que determina o fito e os limites da carne, e que nos livra do temor em face da eternidade, possibilita-nos uma vida perfeita, onde não temos necessidade de duração infinita. Ele não foge, contudo, ao prazer e, quando as circunstâncias nos obrigam a deixar a vida, não se crê privado do que a vida oferecia de melhor.
Quem conhece perfeitamente bem os limites que a vida nos traça, sabe quão fácil é obter o que suprime a dor, causada pela necessidade, e faz a vida inteira perfeita, de sorte que não tem mais necessidade de coisas cuja aquisição exija esforço.
Todos os desejos que não provoquem dor quando permanecem insatisfeitos não são necessários, e poderão ser facilmente recalcados se nos parecerem difíceis de ser satisfeitos ou capazes de nos causar danos.
Soneto XX
Duvidam se a escultura é mais perfeita
Ou se a pintura, que esta da cor fina
E sombras se orna, aquela mais se assina
Quanto mais desbastada e mais desfeita.Mas se ua estátua houver despois de feita
Das cores, da pintura e sombras dina,
Como obra nunca vista e perigrina,
Quão fermosa seria, e quanto aceita.Esta sois meu Jesus, onde não falta
Sombra e cor da Pintura, e de tal sorte
Que à escultura sereis novo modelo:Disfeita a carne, o sangue vos esmalta
Sombras, sobre as de açoutes, as da morte
E sobre tudo, sobre todos belo.
Declaração de Amor
Quem é que tem a sorte de ter um amor dele ou dela que ama ou que tem, seja amado ou amada? Tenho eu e conheço muitas pessoas que já têm ou que vão ter. Mas, tal como todos os outros apaixonados e todas as outras apaixonadas, desconfio, com calor na alma, que ninguém tem o amor que eu tenho pela Maria João, meu amor, minha mulher, minha salvação.
O amor sai caro – medo de perdê-la, medo do tempo a passar, medo do futuro – mas paga-se sem se dar por isso. Mentira. Dá-se por isso só nos intervalos de receber, receber, receber e dar, dar, dar.
Basta uma pequena zanga para parecer que todo aquele amor desmoronou: “Onde está esse teu apregoado amor por mim (de mãos nas ancas), agora que eu preciso dele?”
Quanto maior o amor, mais frágil parece. Quanto maior o amor, mais pequeno é o gesto que parece traí-lo. Mas com que alegria nos habituamos a viver nesse regime de tal terror!
Maria João, meu amor: o barulho que faz a felicidade é ouvires-me a perder tempo a resmungar e a pedir que tudo continue exactamente como está, para sempre.
Conheço vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por cobardia, muitas vezes por falta de sorte – mas é por uma vida a dois que suspiram.
Ter Objetivos
Qualquer dia que comece sem um objetivo, está, à partida, condenado ao «era melhor não ter saído da cama»; como tal, torna–se fundamental saberes o que queres, o que tens e o que podes fazer sempre que o Sol nasce. Um simples objetivo é, na realidade, suficiente para te motivar a viver todo o dia que tens pela frente, pois aniquila todo e qualquer sentimento de inutilidade, ansiedade e frustração que possas estar a viver. Tão simples e ao mesmo tempo tão complicado. Tão complicado porque sei, por experiência própria e pelo que oiço nas minhas sessões e palestras, que nem sempre é fácil ter um objetivo diário. Ou melhor, muitas das vezes, até o temos, mas como estamos desprovidos de estratégia, a ação nunca ocorre.
Mas vamos por partes, um objetivo é algo nato, pois ainda que de uma forma inconsciente o objetivo de cada bebé, por exemplo, é tornar-se autónomo, gatinhando primeiro, agarrando-se às coisas depois até, finalmente, começar a andar. Esta sensação de querermos sempre mais ou melhor é algo que nasce connosco e que apenas deixa de fazer sentido quando o estado emocional da pessoa é tão depressivo que se opta por desistir. Ter objetivos é como ter fome e comer,
O que Sentimos é o que Temos
O que sentimos, não o que é sentido,
É o que temos.
Claro, o inverno triste
Como à sorte o acolhamos.
Haja inverno na terra, não na mente.
E, amor a amor, ou livro a livro, amemos
Nossa caveira breve.
As Ventoinhas
A mulher é um catavento,
Vai ao vento,
Vai ao vento que soprar;
Como vai também ao vento
Turbulento,
Turbulento e incerto o mar.Sopra o sul: a ventoinha
Volta azinha,
Volta azinha para o sul;
Vem taful; a cabecinha
Volta azinha,
Volta azinha ao meu taful.Quem lhe puser confiança,
De esperança,
De esperança mal está;
Nem desta sorte a esperança
Confiança,
Confiança nos dará.Valera o mesmo na areia
Rija ameia,
Rija ameia construir;
Chega o mar a vai a ameia
Com a areia,
Com a areia confundir.Ouço dizer de umas fadas
Que abraçadas,
Que abraçadas como irmãs
Caçam almas descuidadas…
Ah que fadas!
Ah que fadas tão vilãs!Pois, como essas das baladas,
Umas fadas,
Umas fadas dentre nós,
Caçam, como nas baladas;
E são fadas,
E são fadas de alma e voz.É que — como o catavento,
Vão ao vento,
Vão ao vento que lhes der;
Cedem três coisas ao vento:
Catavento,
A sorte é acreditar que somos sortudos.
Coragem Ilusória
Há cinco espécies de coragem, assim denominadas segundo a semelhança: suportam as mesmas coisas, mas não pelos mesmos motivos. Uma é a coragem política: provém da vergonha; a segunda é própria dos soldados: nasce da experiência e do facto de conhecer, não – como dizia Sócrates – os perigos, mas os recursos contra eles; a terceira brota da falta de experiência e da ignorância, e por ela são induzidas as crianças e os loucos, estes quando enfrentam a fúria dos elementos, aquelas quando pegam em serpentes. Outra espécie é a de quem tem esperança: graças a ela, arrostam os perigos aqueles que, muitas vezes, tiveram sorte (…) e os ébrios; o vinho, de facto, excita a confiança.
Outra ainda dimana da paixão irracional, por exemplo, do amor e da ira.
Se alguém está enamorado, é mais temerário que cobarde e enfrenta muitos perigos, como aquele que no Metaponto matou o tirano, ou o cretense de que fala a lenda; o mesmo se passa com a cólera e com a ira. Pois a ira é capaz de nos pôr fora de nós. Por isso, se afiguram também corajosos os javalis, embora não sejam; quando fora de si, têm uma qualidade semelhante,
Sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade.
A sorte afeta tudo. Deixe o seu anzol sempre lançado. No riacho onde menos esperar, haverá um peixe.
Tango do Viúvo
Tive dificuldades na minha vida privada. A doce Josie Bliss foi-se convencendo e apaixonando até adoecer de ciúmes. Se não fosse isso, talvez tivesse continuado indefinidamente ao lado dela. Enterneciam-me os seus pés nus, as brancas flores que lhe brilhavam na cabeleira negra. Mas o seu temperamento levava-a até paroxismos selvagens. Tinha ciúmes e aversão às cartas que me chegavam de longe; escondia-me os telegramas sem os abrir, olhava com rancor o ar que eu respirava.
Por vezes acordava-me uma luz, um fantasma que se movia por detrás da rede do mosquiteiro. Era ela, vestida de branco, brandindo o seu longo e afiado punhal indígena. Era ela, rondando-me a cama horas inteiras sem se decidir a matar-me. «Quando morreres, acabarão os meus receios», dizia-me. No dia seguinte realizava misteriosos ritos para garantir a minha fidelidade.
Acabaria por me matar. Por sorte, recebi uma mensagem oficial participando-me que fora transferido para Ceilão. Preparei a minha viagem em segredo e um dia, abandonando a minha roupa e os meus livros, saí de casa como de costume e entrei no barco que me levaria para longe.
Deixava Josie Bliss, espécie de pantera birmanesa, na maior dor. Mal o barco começou a mover-se sobre as ondas do golfo de Bengala,
Nada mais vai me ferir, É que já me acostumei com a estrada errada que eu segui. Com minha própria lei, tenho o que ficou e tenho sorte até demais, como eu sei que tens também.
A sorte acaba um dia.