Dar Estilo ao Seu Carácter
«Dar estilo» ao seu carácter… é uma arte deveras considerável que raramente se encontra! Para a exercer é necessário que o nosso olhar possa abranger tudo o que há de forças e de fraquezas na nossa natureza, e que as adaptemos em seguida a um plano concebido com gosto, até que cada uma apareça na sua razão e na sua beleza e que as próprias fraquezas seduzam os olhos. Aqui ter-se-á acrescentado uma grande massa de segunda natureza, nos pontos onde se terá tirado um pedaço da primeira, à custa, nos dois casos, de um paciente exercício e de um trabalho de todos os dias. Neste lugar disfarçou-se uma fealdade que se não podia fazer desaparecer, noutro ela foi transmudada, fez-se dela uma beleza sublime. Grande número de elementos, que se recusavam a tomar forma, foram reservados para ser utilizados nos efeitos de perspectiva: darão os longes, o apelo do infinito. Foi a unidade, a pressão de um mesmo gosto que dominou e afeiçoou no grande e no pequeno: a que ponto, vemo-lo por fim, uma vez terminada a obra; que esse gosto seja bom ou mau, importa menos do que se pensa, basta que tenha havido um.
Serão as naturezas fortes e dominadoras que apreciarão as alegrias mais subtis nesta opressão,
Passagens sobre Sublime
139 resultadosA Única Ideia Sublime
Nenhum homem nem nenhuma nação podem existir sem uma ideia sublime. E no mundo existe uma única ideia sublime – nomeadamente, a ideia da imortalidade da alma do homem – pois todas as outras ideias ‘sublimes’ de vida, que dão vida ao homem, são meras derivações desta única ideia.
Atenção ao Estilo Rebuscado e Cheio de Adornos
Quando vires alguém com um estilo rebuscado e cheio de adornos podes ter a certeza de que a sua alma apenas se ocupa igualmente de bagatelas. Uma alma verdadeiramente grande é mais tranquila e senhora de si a falar, e em tudo quanto diz há mais firmeza do que preocupação estilística. Tu conheces bem os nossos jovens elegantes, com a barba e o cabelo todo aparado, que parecem acabadinhos de sair da fábrica! De tais criaturas nada terás a esperar de firme ou sólido. O estilo é o adorno da alma: se for demasiado penteado, maquilhado, artificial, em suma, só provará que a alma carece de sinceridade e tem em si algo que soa a falso. Não é coisa digna de homens o cuidado extremo com o vestuário! Se nos fosse dado observar “por dentro” a alma de um homem de bem — oh! que figura bela e venerável, que fulgor de magnificente tranquilidade nós contemplaríamos, que brilho não emitiriam a justiça, a coragem, a moderação e a prudência! E não só estas virtudes, mas ainda a frugalidade, o autodomínio, a paciência, a liberalidade, a gentileza e essa virtude, incrivelmente rara no homem, que é a humanidade — também estas fariam jorrar sobre a alma o seu sublime esplendor!
Espiritualidade
É no sonho que o amor engrandece o seu mundo
para morrer depois nos sentidos exausto…
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressão de um Fausto!Mais sublime talvez, talvez menos fecundo
antes da posse, é apenas perfume… luz… hausto…
– até que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!O que possui de grande, esplêndido, complexo,
está, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do próprio sexo…Está mais na visão do que se imaginou
– e é por isso que o amor maior é o que se espera,
e eterno, é o que se espera… e nunca o que chegou!…
É preciso um espírito especial para se fazer fortuna, sobretudo uma grande fortuna; não se trata nem do espírito bom nem do belo, nem do grande nem do sublime, nem do forte nem do delicado; não sei precisamente de qual se trata, e espero que alguém me possa esclarecer a tal respeito.
A Falácia do Sucesso
Abominável coisa é o bom êxito, seja dito de passagem. A sua falsa parecença com o merecimento ilude os homens. Para o vulgo, o bom sucesso equivale à supremacia. A vítima dos logros do triunfo, desse menecma da habilidade, é a história. Só Tácito e Juvenal se lhe opõem. Existe na época e sente uma filosofia quase oficial, que envergou a libré do bom êxito e lhe faz o serviço da antecâmara. Fazei por serdes bem sucedido, é a teoria. Prosperidade supõe capacidade. Ganhai na lotaria, sereis um homem hábil. Quem triunfa é venerado. Nascei bem-fadado, não queirais mais nada. Tende fortuna, que o resto por si virá; sede feliz, julgar-vos-ão grande. Se pusermos de parte as cinco ou seis excepções imensas que fazem o esplendor de um século, a admiração contemporânea é apenas miopia. Duradora é ouro. Pouco importa que não sejais ninguém, contanto que consigais alguma coisa.
O vulgo é um narciso velho, que se idolatra a si próprio e aplaude o vulgar. A faculdade sublime de ser Moisés, Esquilo, Dante, Miguel Ângelo ou Napoleão, decreta-a a multidão indistintamente e por unanimidade a quem atinge o alvo que se propôs, seja no que for. Que um tabelião se transforme em deputado;
Os espíritos metódicos são ordinariamente os menos sublimes e transcendentes.
O Amor Verdadeiro Não Pensa Senão em Si Próprio
O primeiro amor dum homem que entre na sociedade é geralmente um amor ambicioso. Raramente esse amor se declara por uma rapariga doce, amável e inocente. Como tremer, adorar, sentir-se em presença duma divindade? Um adolescente tem necessidade de amar um ser cujas qualidades o elevem aos seus próprios olhos. É no declínio da vida que voltamos tristemente a amar o simples e o inocente, desesperando do que é sublime. Entre os dois, existe o amor verdadeiro, que não pensa senão em si próprio.
É de alma sublime repelir injúrias com benefícios.
A Alegoria da Caverna
– Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar. Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
– Estou a imaginar tudo isso.
– Imagina homens que passem para além da parede, carregando objectos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros,
Gargalhada
Hornem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!Não vês?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras…O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.
Mas é preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trémulas…Escuta bem:
Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.
Ser Mãe é Aceitar. Tudo.
Ser mãe é receber em si um outro que lhe vem de fora e acolhê-lo em vista de um futuro que pressente mas que, de maneira nenhuma, sabe explicar. Ser mãe é, antes de mais, aceitar. Tudo. Tudo.
É aceitar em si um outro para o qual ela se torna o mundo: gerando-o, alimentando-o, comendo, bebendo e respirando com ele… ele dentro de si, ela em volta dele.
É deixar esse outro ir embora e voltar a recebê-lo em cada dia, quando ele volta, quando ele se revolta e, também, quando ele não volta…
Ser mãe é acolher o que o outro lhe dá. Mas não como quem se alimenta do que lhe vem de fora, transformando-o em vida, que acolhe em si, e devolvendo ao mundo, já morto, aquilo que sobra. Ser é mãe é dar-se como alimento, transformando-se na vida daquele a quem se dá para depois… voltar depois ao mundo, gasta, apenas com o que lhe sobra.
Ser mãe é dar-se. Aceitando sempre qualquer resultado e resposta.Uma mãe, mais do que dar um filho ao mundo, deve dar um mundo ao filho. Um melhor que este, cheio de esperança e sonhos,
De Quantas Graças Tinha, A Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquíssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.Pôs na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
O homem que ama é um tolo sublime.
Pecadora
Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mão da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,Do destino fatal, presa, morria
Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!
Camões IV
Um dia, junto à foz de brando e amigo
Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Salvaste o livro que viveu contigo.E esse que foi às ondas arrancado,
Já livre agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
Não só a ti, mas ao teu berço amado.Assim, um homem só, naquele dia,
Naquele escasso ponto do universo,
Língua, história, nação, armas, poesia,Salva das frias mãos do tempo adverso.
E tudo aquilo agora o desafia.
E tão sublime preço cabe em verso.
A poesia, a pintura e todos os sublimes gozos da imaginação, têm sobre os espíritos elevados direitos imprescritíveis.
As Ideias dependem das Sensações
À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar formas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais embaraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição.
Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada (…) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis,
A Mancha Humana
– É o resultado de ter sido criado entre nós – disse Faunia. – É o resultado de passar toda a vida com pessoas como nós. A mancha humana – acrescentou, mas sem repulsa, desprezo ou condenação. Nem sequer com tristeza. As coisas são como são – à sua maneira seca e concisa, era só isso que ela estava a dizer à rapariga que dava de comer à serpente: nós deixamos uma mancha, deixamos um rasto, deixamos a nossa marca. Impureza, crueldade, mau trato, erro, excremento, sémen. Não há outra maneira de estar aqui. Não tem nada a ver com desobediência. Nem com graça, ou salvação, ou redenção. Está em todos. Sopro interior. Inerente. Determinante. A mancha que existe antes da sua marca. Sem o sinal de que está lá. A mancha que é tão intrínseca que não precisa de uma marca. A mancha que precede a desobediência, que engloba a desobediência e confunde toda e qualquer explicação e compreensão. É por isso que toda a purificação é uma anedota. É uma anedota básica, ainda por cima. A fantasia da pureza é aterradora. É demencial. O que á ânsia de purificar senão impureza?
Tudo quanto estava a dizer acerca da mancha era que ela é inelutável.