Ao Rimar Dor com Pensamento
Ao rimar dor com pensamento
escrevo ternura, afecto,
apenas quem me conceda
um gesto, mĂnimo gestoum poeta nĂŁo se assassina
ia dizer mas disto nĂŁo entendes
Ă© a superfĂcie que pretendes
da coisa leve, pequeninaIsto Ă© lama, sĂŁo entranhas, Ă© lixo,
chama, horror, precipĂcio
que consome, enaltece, afligeem tom maior, menor, e a verdade
capriche. Que em verdade digo:
de aqui em diante – apenas sigo
Passagens sobre Ternura
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Quem disse que o Natal Ă© sĂł mercado?
Por trás do panetone ou da castanha
está um publicitário, uma campanha,
o lucro, as estatĂsticas, o Estado.É certo. Mas o espĂrito arraigado
mais dura que o presente que se ganha,
mais lembra que um peru, que uma champanha
a alguém com mais futuro que passado.Pois ela, a criancinha, é quem segura
o tempo, em seu efĂŞmero momento,
salvando algo de júbilo ou ternura.Esqueça-se o comércio! Ainda tento
rever cada Natal, cada gravura
em meio a tanto adulto rabugento…
Por Que Falar De Amor ?
“Por Que Falar De Amor ?”
II
NĂŁo compreendias, quando o ciĂşme
num egoĂsmo de amor te acompanhava,
mas, por que nĂŁo dizer? punha perfume
na ternura que em nós desabrochava…O amor é uma arma de afiado gume
que, se cortava a ti, a mim cortava,
– que tu cegaste, e agora se resume
em desejo somente, fumo e lava.Lava que escorre, e que destrói aos poucos…
E se os mais belos sonhos se consomem
nesses anseios cada vez mais loucos,por que falar de amor? Foste lograda:
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!
XV
Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que Ă bela
Antandra estais obedecendo;Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;Eu, o mĂsero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.
O respeito à opinião do outro é um convite para ter sua opinião respeitada. A vida conjugal, quando respeitada seus limites, tende a ter uma cumplicidade próspera de ternura e afeição.
Importuna RazĂŁo, NĂŁo Me Persigas;
Importuna RazĂŁo, nĂŁo me persigas;
Cesse a rĂspida voz que em vĂŁo murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas:Se acusas os mortais, e os nĂŁo abrigas,
Se ( conhecendo o mal ) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vĂtima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo:Queres que fuja de MarĂlia bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.
O Suspiro
Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos corações a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.
Dualidade
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
o meu prĂłprio desejo tĂŁo violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
Ă© desejo e ternura a um sĂł momento.Beijo-te a boca, as mĂŁos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,– e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demĂ´nio e um anjo em todo Amor!
O Peso Bruto da Irritação
Se fĂ´ssemos contabilizar as paixões desta vida, os Ăłdios e os amores, os grandes sobressaltos, as comoções, os transtornos, os arrebatamentos e os arroubos, os momentos de terror e de esperança, os ataques de ansiedade e de ternura, a violĂŞncia dos desejos, os acessos de saudade e as elevações religiosas e se as somássemos todas numa sĂł sensação, nĂŁo seria nada comparada com o peso bruto da irritação. Passamos mais tempo e gastamos mais coração a sermos irritados do que em qualquer outro estado de espĂrito.
Apaixonamo-nos uma vez na vida, odiamos duas, sofremos trĂŞs, mas somos irritados pelo menos vinte vezes por dia. Mais que o divĂłrcio, mais que o despedimento, mais que ser traĂdo por um amigo, a irritação Ă© a principal causa de «stress» — e logo de mortalidade — da nossa existĂŞncia.
É a torneira que pinga e o colega que funga, a criança que bate com o garfinho no rebordo do prato, a empregada que se esquece sempre de comprar maionnaise, a namorada que nĂŁo enche o tabuleiro de gelo, o namorado que se esquece de tapar a pasta dentrĂfica, a nossa prĂłpria incompetĂŞncia ao tentar programar o vĂdeo, o homem que mete um conto de gasolina e pede para verificar a pressĂŁo dos pneus,
Nada se Pode Comparar Contigo
O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cândida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os ZĂ©firos ondeia;A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glĂłrias que consigo,
A Deusa das paixões e de Citera;Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.
Como Queiras, Amor…
Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida Ă© ter destino.As pequeninas coisas da maldade, a fria
tĂŁo tenebrosa divisĂŁo do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de malcontente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.Como queiras, Amor, como tu queiras.
De frágil que és, não poderás salvar-me.
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárneo, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.Será mais duro que morrer, talvez.
Entregue a ti, porém, eu me dedico
Ă quele amor por qual fui homem, posse
e uma tão extrema sujeição de tudo.
Gosto das Belas Coisas Claras e Simples
Para quĂŞ alcançar os astros?! Para quĂŞ?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz! VĂŞ-los, vĂŞ-os toda a gente. De que serve entĂŁo ser poeta se se Ă© igual Ă outra gente toda, ao rebanho?… Eu nĂŁo peço Ă Vida nada que ela me nĂŁo tivesse prometido, e detesto-a e desdenho-a porque nĂŁo soube cumprir nem uma das suas promessas em que, ingenuamente, acreditei, porque me mentiu, porque me traiu sempre. Mas nĂŁo choro, nĂŁo, como os portugueses chorões, nĂŁo tenho nada de JereÂmias, pareço-me antes com Job, revoltado, gritando imprecaÂções no seu monte de estrume. NĂŁo gosto de lágrimas, de fados nem de guitarras, gosto das belas coisas claras e simÂples, das grandes ternuras perfeitas, das doces compreensões silenciosas, gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de Beleza e de Verdade, de tudo menos do bĂpede humano, em geral, Ă© claro, porque há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me reflectir, almas de sinceriÂdade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.
Escreve!
NĂŁo sei o que supor
Do teu silĂŞncio. Escreve!
Quem Ă© amado deve
Ser grato ao menos, flor!Se eu fosse tĂŁo feliz
Que te falasse um dia,
De viva voz diria
Mais do que a carta diz.Mas olha, tal qual Ă©,
NĂŁo rias desse escrito,
Que pouco ou muito Ă© dito
Tudo de boa-fé.Há nesse teu olhar
A doce luz da Lua,
Mas luz que se insinua
A ponto de abrasar…Pareça nele, sim,
Que há só doçura, embora,
Há fogo que devora…
Que me devora a mim!Que mata, mas que dá
Uma suave morte;
Mata da mesma sorte
Que uma árvore que há;Que ao pé se lhe ficou
Acaso alguém dormindo
Adormeceu sorrindo…
Porém não acordou!Esse teu seio então…
Que encantadora curva!
Como de o ver se turva
A vista e a razão!Como até mesmo o ar
Suspende a gente logo,
Pregando olhos de fogo
Em tĂŁo formoso par!
Baby!
Baby! Sossega a tua voz. NĂŁo digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço…Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sós, passando, e empalideço…
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida até, brinquedo que aborreço…Mundo dos meus enganos como a desventura!
Experiência, – pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura…Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda é para mim – criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!
Amo-te Sempre
Amo-te sempre
com um pouco de barco e de vento
com uma humildade de mar Ă tua volta
dentro do meu corpo; com o desespero
de ser tempo;com um pouco de sol e uma fonte
adormecida na ternura.Merecer este minuto de palavras habitando
o que há sem fim no teu retrato;
Este mesmo minuto em que chegam e partem navios
– nesta mesma cidade deste
minuto, desta lĂngua, deste
romance diário dos teus olhos –(e chegarão com armas? refugiados? trigo?
partirão com noivas? missionários? guerras? discursos?)Merecer a densa beleza do teu corpo
que tem água e ternura, células, penumbra,
que dormiu no berço, dormiu na memória,
que teve soluços, febre, e absurdos desejos
maiores que os braços,merecer os dias subindo das florestas – e vêm
banhar-se, lentos, nos teus olhos…Merecer a Igreja, o ajoelhar das palavras,
entre estes cinemas visitando, em duas horas, a alma,
estes eléctricos parando atrás do infinito
para subirem os namorados, a viĂşva, o cobrador da luz, a
costureira
entre estes homens que ganham dinheiro,
Tudo Ă© PaixĂŁo
Assim me perguntaste,
assim te respondi:
tudo Ă© paixĂŁo.Como nĂŁo lamber
da tua pele, o mel
que o desejo fabrica?E como a minha boca
não recolher o néctar
da tua boca?Ou como nĂŁo sorver
das tuas mĂŁos o pĂłlen
da ternura?E se, em vez de paixĂŁo,
for sexo apenas,
ou loucura?Pode até não ser amor.
Mas, seja o que for,
nĂŁo Ă© pior.
A Primeira Palavra que em Toda a Minha Vida me Esgotou o Ser
Uma palavra. Disse-a. Amo-te – uma palavra breve. Quantos milhões de palavras eu disse durante a vida. E ouvi. E pensei. Tudo se desfez. Palavras sem inteira significação em si, o professor devia ter razĂŁo. Palavras que remetiam umas para as outras e se encostavam umas Ă s outras para se aguentarem na sua rede aĂ©rea de sons. Mas houve uma palavra – meu Deus. Uma palavra que eu disse e repercutiu em ti, palavra cheia, quente de sangue, palavra vinda das vĂsceras, da minha vida inteira, do universo que nela se conglomerava, palavra total. Todas as outras palavras estavam a mais e dispensavam-se e eram uma articulação ridĂcula de sons e mobilizavam apenas a parte mecânica de mim, a parte frágil e vĂŁ. Palavra absoluta no entendimento profundo do meu olhar no teu, palavra infinita como o verbo divino. Recordo-a agora – onde está? Como se desfez? Ou nĂŁo desfez mas se alterou e resfriou e absorveu apenas a fracção de mim onde estava a ternura triste, o conforto humilde, a compaixĂŁo. NĂŁo haverá entĂŁo uma palavra que perdure e me exprima todo para a vida inteira? E nĂŁo deixe de mim um recanto oculto que nĂŁo venha Ă sua chamada e vibre nela desde os mais finos filamentos de si?
LĂngua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela
Amo-se assim, desconhecida e obscura
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, Ăł rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exĂlio amargo,
O gĂŞnio sem ventura e o amor sem brilho!
Tenho pelos meus versos uma ternura especial; tenho feito deles alguma coisa mais que uma distracção ou um fútil motivo de vaidades.
Bondade
É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume Ă rosa.Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, lĂmpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mĂłrbidos abismos
Que em vĂŁo busquem tentar-me no Caminho.Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etéreo vinho.