Viver na Luz ou no Reflexo da Vida
Todos aqueles que a fortuna pôs em evidência, que se distinguiram como agentes e partícipes de um poder alheio, somente gozaram de reputação e viram as suas casas cheias de visitantes enquanto em posição de destaque: assim que desapareceram, rapidamente foram esquecidos. Em contrapartida, o apreço que se dá aos homens de génio cresce sempre; e não são apenas eles que recebem homenagem, mas tudo quanto está ligado à sua memória.
(…) Tu atribuis uma certa grandeza ao tipo de vida que deverás abandonar; embora tenhas uma antevisão da vida sábia e tranquila a que irás aceder, o brilho aparente da vida mundana continua a atrair-te, como se o facto de abandonares a sociedade equivalesse a caíres numa vida de obscuridade completa. Estás enganado, Lucílio: passar da vida mundana à vida da sabedoria é uma ascensão! A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem em si mesma, enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença separa os dois tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias exteriores, e o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do sábio, essa brilha com a sua própria luminosidade!
Textos sobre Abandono de Séneca
3 resultadosAmizade Correcta
O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar; alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos. Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade com esse pensamento preconcebido, é cometer um erro de cálculo. A empresa terminará como começou. Fulano arranjou um amigo para dispor, um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões. Ao primeiro tinido de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais são as amizades que o mundo chama de «ligações temporárias». O homem a quem se escolhe para prestar serviços deixará de agradar no dia em que não sirva para mais nada. Daí a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas. Vinda a ruína, faz-se, à volta, a solidão: os amigos esquivam-se dos lugares onde são postos à prova. Daí, todos esses escândalos: amigos abandonados, amigos traídos, sempre por medo! É inevitável que o fim concorde com o começo: o interesse fez de sicrano teu amigo;
O Descontentamento Consigo Próprio
O caso é o mesmo em todos os vícios: quer seja o daqueles que são atormentados pela indolência e pelo tédio, sujeitos a contantes mudanças de humor, quer o daqueles a quem agrada sempre mais aquilo que deixaram para trás, ou dos que desistem e caem na indolência. Acrescenta ainda aqueles que em nada diferem de alguém com um sono difícil, que se vira e revira à procura da posição certa, até que adormece de tão cansado que fica: mudando constantemente de forma de vida, permanecem naquela «novidade» até descobrirem não o ódio à mudança, mas a preguiça da velhice em relação à novidade. Acrescenta ainda os que nunca mudam, não por constância, mas por inércia, e vivem não como desejam, mas como sempre viveram. As características dos vícios são, pois, inumeráveis, mas o seu efeito apenas um: o descontentamento consigo próprio.
Este descontentamento tem a sua origem num desequilíbrio da alma e nas aspirações tímidas ou menos felizes, quando não ousamos tanto quanto desejávamos ou não conseguimos aquilo que pretendíamos, e ficamos apenas à espera. É a inevitável condição dos indecisos, estarem sempre instáveis, sempre inquietos. Tentam por todas as vias atingir aquilo que desejam, entregam-se e sujeitam-se a práticas desonestas e árduas,