Casar por Amor
Quando eu pensava que nĂŁo podia ser mais feliz, manhĂŁ apĂłs manhĂŁ era mais, mas sĂł um bocadinho mais do que o máximo humanamente possĂvel; pensava eu ser absolutamente impossĂvel que eu fosse, de repente, muito mais feliz, do que a prĂłpria felicidade atĂ©. Mas, de repente, fui. Muito mais. Casei com o meu amor e o meu amor tornou-se a minha mulher, minha em tudo, para tudo, para sempre. E eu, finalmente, consegui divorciar-me de mim e deixar de ser tĂŁo triste e aborrecidamente meu, trocando-me, no melhor negĂłcio do sĂ©culo, por ela. Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou nĂŁo Ă© estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livrámos de boa e ficámos a ganhar? É.
É sim. A minha mulher Ă© mais minha do que eu alguma vez fui meu — e eu antes nĂŁo podia ter sido mais para mim, felizmente. Por ter tudo agora para lhe dar. Que alĂvio. Nunca mais me quero ver na vida.
A não ser aos olhos dela, onde sou muito bem visto — talvez o maior homem que já viveu, logo a seguir ao pai dela, claro. É um milagre como melhorei tanto.
Textos sobre Absoluto de Miguel Esteves Cardoso
2 resultadosO Amor PortuguĂŞs nĂŁo Ă© um FenĂłmeno Ternurento
Do carinho e do mimo, toda a gente sabe tudo o que há a saber — e mais um bocado. Do amor, ninguĂ©m sabe nada. Ou pensa-se que se sabe, o que Ă© um bocado menos do que nada. O mais que se pode fazer Ă© procurar saber quem se ama, sem querer saber que coisa Ă© o amor que se tem, ou de que sĂtio vem o amor que se faz.
Do amor Ă© bom falar, pelo menos naqueles intervalos em que nĂŁo Ă© tĂŁo bom amar. Todos os paĂses hĂŁo-de ter a sua prĂłpria cultura amorosa. A portuguesa Ă© excepcional. Nas culturas mais parecidas com a nossa, Ă© muito maior a diferença que se faz entre o amor e a paixĂŁo. Faz-se de conta que o amor Ă© uma coisa — mais tranquila e pura e duradoura — e a paixĂŁo Ă© outra — mais doĂda e complicada e efĂ©mera. Em Portugal, porĂ©m, nĂŁo gostamos de dizer que nos «enamoramos», e o «enamoramento» e outras palavras que contenham a palavra «amor» sĂŁo-nos sempre um pouco estranhas. Quando nĂłs nos perdemos de amores por alguĂ©m, dizemos (e nitidamente sentimos) que nos apaixonamos. Aqui, sabe-se lá por que atavismos atlânticos,