Muitos Meios e Saber de pouco Servem
Vivemos num tempo que se sente fabulosamente capaz de realizar, porém não sabe o que realizar. Domina todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido na sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnica do que nunca, afinal de contas o mundo actual vai como o mais infeliz que tenha havido: puramente à deriva.
Textos sobre Abundância de José Ortega y Gasset
3 resultadosO Deserto num Mundo Abastado
TenderĂamos ilusoriamente a crer que uma vida nascida num mundo abastado seria melhor, mais vida e de superior qualidade Ă que consiste, precisamente, em lutar com a escassez. Mas nĂŁo Ă© verdade. Por razões muito rigorosas e arquifundamentais que agora nĂŁo Ă© oportuno enunciar. Agora, em vez dessas razões, basta recordar o facto sempre repetido que constitui a tragĂ©dia de toda a aristocracia hereditária. O aristocrata herda, quer dizer, encontra atribuĂdas Ă sua pessoa umas condições de vida que ele nĂŁo criou, portanto, que nĂŁo se produzem organicamente unidas Ă sua vida pessoal e prĂłpria. Acha-se ao nascer instalado, de repente e sem saber como, no meio da sua riqueza e das suas prerrogativas. Ele nĂŁo tem, intimamente, nada que ver com elas, porque nĂŁo vĂŞm dele. SĂŁo a carapaça gigantesca de outra pessoa, de outro ser vivente, seu antepassado. E tem de viver como herdeiro, isto Ă©, tem de usar a carapaça de outra vida. Em que ficamos? Que vida vai viver o «aristocrata» de herança, a sua ou a do prĂłcer inicial? Nem uma nem outra. Está condenado a representar o outro, portanto, a nĂŁo ser nem o outro nem ele mesmo.
A sua vida perde inexoravelmente autenticidade,
A Nefasta Hiperdemocracia dos Nossos Tempos
NinguĂ©m, creio eu, deplorará que as pessoas gozem hoje em maior medida e nĂşmero que antes, já que tĂŞm para isso os apetites e os meios. O mal Ă© que esta decisĂŁo tomada pelas massas de assumir as actividades prĂłprias das minorias, nĂŁo se manifesta, nem pode manifestar-se, sĂł na ordem dos prazeres, mas que Ă© uma maneira geral do tempo. Assim (…) creio que as inovações polĂticas dos mais recentes anos nĂŁo significam outra coisa senĂŁo o impĂ©rio polĂtico das massas. A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princĂpios o indivĂduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difĂcil. Ao amparo do princĂpio liberal e da norma jurĂdica podiam atuar e viver as minorias. Democracia e Lei, convivĂŞncia legal, eram sinĂłnimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua directamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.
É falso interpretar as situações novas como se a massa se houvesse cansado da polĂtica e encarregasse a pessoas especiais o seu exercĂcio. Pelo contrário. Isso era o que antes acontecia, isso era a democracia liberal. A massa presumia que,