Tenho Saudades de Ti
Os dias contigo são dias inteiros que passam num instante. Tenho saudades de ti quando acordo, antes de perceber que já estás ali ao meu lado. Tenho saudades de ti de manhã enquanto espero que desças do banho. Fico bem a ler enquanto te espero, mas leio melhor quando estás ao pé de mim, quando já não me apetece ler.
Hoje foi mais um dia contigo e, mais uma vez, dou comigo aqui à noite, separado de ti, para escrever sobre o dia que se passou. E a coisa principal que aconteceu foi ter saudades de ti outra vez.
Bem sei que sei onde estás e que eu estou aqui a cinco passos de ti. Mas a maior certeza que tenho é que, apesar disso tudo, não estou contigo nem tu estás comigo. É o que me basta para ter saudades de ti. Não preciso de mais: se mais tivesse, morreria.
É verdade que estive contigo durante uma pequena parte do dia: aquela a que as pessoas tristes e habituadas chamam vida. Mas estava tão apaixonado e tão feliz que nem dei por isso.
Pensei apenas: “Conseguimos! Conseguimos estar juntos! Nem acredito!”
Textos sobre Acordo de Miguel Esteves Cardoso
4 resultadosCada Cabeça, Cada Sentença
A ideia de ninguém ter razão (haja ou não haja pão) é portuguesíssima. Sobre qualquer assunto, Portugal garante-nos sempre pelo menos dez milhões de razões, cada uma com a sua diferençazinha, cada uma com a sua insolenciazeca do “eu cá é que sei”. Não há neste abençoado território um único sujeito, seja eu ou ele cego, surdo e mudo, que não reclame a sua inobjectivável subjectividade. Lá diz o raio do povo, por tratar-se da única coisa em que o povo todo está de acordo, «Cada cabeça, cada sentença». Basta fazer-se uma reunião ou um júri, um governo ou uma comissão, para assistir-se ao milagre da multiplicação das opiniões.
Ser Português é Difícil
Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal…» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».
Revela-se aqui o que nós temos de mais insuportável e de comovente: só nos custa sermos portugueses por não sermos os melhores do mundo. E, se formos pensar, verificamos que o verdadeiro patriotismo não é aquele de quem diz “Portugal é o melhor país do mundo” (esse é simplesmente parvo ou parvamente simples),
Cada Vez Nos Casamos Mais
Ao fim de 14 anos, cada vez que eu olho para a minha mulher, cada dia que acordo ao lado dela, o que mais me comove e impressiona é precisamente a novidade de vê-la, poder amá-la, ter a sorte de ser amado por ela.
Cada coisa que fazemos é ao mesmo tempo antiquíssima – como uma cerimónia que construímos juntos só para nós os dois – e novíssima, pelo desejo e pelo entusiasmo de lá estar, naquele lugar que ela abriu para mim e ela no lugar que só é dela, que sou eu.O casamento é só uma palavra: é verdade. Mas também pode ser a vontade de casarmos e ficarmos casados, todos os dias, com a mesma pessoa que amamos.
Cada vez nos casamos mais. As diferenças dela vão cabendo cada vez melhor nas minhas. Cada vez somos, a Maria João e eu, mais livres de sermos como somos, cada um de nós, e de sermos como somos, nós os dois.
Ela torna-se mais ela; eu torno-me mais eu, ela e eu com menos medo que o outro fuja por causa disso. Mas com medo à mesma. E ganância de viver e curiosidade em saber como é que o décimo quinto ano vai ser melhor do que este.