O Meu Primeiro Poema
Têm-me perguntado muitas vezes quando escrevi o primeiro poema, quando nasceu a minha poesia. Tentarei recordá-lo. Muito para trás, na minha infância, mal sabendo ainda escrever, senti uma vez uma intensa comoção e rabisquei umas quantas palavras semi-rimadas, mas estranhas para mim, diferentes da linguagem quotidiana. Passei-as a limpo num papel, dominado por uma ansiedade profunda, um sentimento até então desconhecido, misto de angústia e de tristeza. Era um poema dedicado à minha mãe, ou seja, àquela que conheci como tal, a angélica madrasta cuja sombra suave me protegeu toda a infância. Completamente incapaz de julgar a minha primeira produção, levei-a aos meus pais. Eles estavam na sala de jantar, afundados numa daquelas conversas em voz baixa que dividem mais que um rio o mundo das crianças e o dos adultos. Estendi-lhes o papel com as linhas, tremente ainda da primeira visita da inspiração. O meu pai, distraidamente, tomou-o nas mãos, leu-o distraidamente, devolveu-mo distraidamente, dizendo-me:
— Donde o copiaste?E continuou a falar em voz baixa com a minha mĂŁe dos seus importantes e remotos assuntos. Julgo recordar que nasceu assim o meu primeiro poema e que assim tive a primeira amostra distraĂda de crĂtica literária.
Textos sobre Adultos de Pablo Neruda
2 resultadosA Timidez
A verdade é que vivi muitos dos meus primeiros anos, e talvez os segundos e os terceiros, como uma espécie de surdo-mudo.
Ritualmente vestido de negro desde muito novinho, tal como se vestiam os verdadeiros poetas do sĂ©culo passado, tinha uma vaga impressĂŁo de nĂŁo me apresentar muito mal. Mas, em vez de me aproximar das raparigas, ciente de que gaguejaria ou coraria diante delas, preferia passar de lado e afastar-me, ostentando um desinteresse que estava longe de sentir. Todas eram, para mim, um grande mistĂ©rio. Preferiria morrer queimado naquela fogueira secreta, afogar-me naquele poço de enigmática profundidade, mas nĂŁo me atrevia a atirar-me ao fogo ou à água. Ora, como nĂŁo encontrava ninguĂ©m que me desse um empurrĂŁo, passava pelas margens dessas fascinações sem olhar sequer e muito menos sorrir.Acontecia outro tanto com os adultos, gente mĂnima, funcionários de caminho-de-ferro e de correios e suas «senhoras esposas», assim intituladas porque a pequena burguesia se escandaliza, intimidada, diante da palavra mulher. Eu escutava as conversas Ă mesa do meu pai. Mas, no dia seguinte, se esbarrava na rua com quem tinha comido na noite anterior em minha casa, nĂŁo me atrevia a cumprimentar e atĂ© mudava de rumo para evitar o mau bocado.