Que Preceitos Ministrar com o Nosso Semelhante?
Passemos a outra questão: o modo de tratarmos com o nosso semelhante. Como devemos agir, que preceitos ministrar? Que não derramemos sangue humano? Ao nosso semelhante devemos fazer o bem: aconselhar a não lhe fazer mal, que ridículo! Até parece que encontrar algum homem que não seja uma fera para os outros já é coisa merecedora de encómios… Vamos aconselhar a que se estenda a mão ao náufrago, se indique o caminho a quem anda perdido, se divida o pão com o esfomeado? Mas para que hei-de eu enumerar todos os actos que devemos ou não devemos praticar quando posso numa só frase resumir todos os nossos deveres para com os outros? Tudo quanto vês, este espaço em que se contém o divino e o humano, é uno, e nós não somos senão os membros de um vasto corpo. A natureza gerou-nos como uma só família, pois nos criou da mesma matéria e nos dará o mesmo destino; a natureza faz-nos sentir amor uns pelos outros, e aponta-nos a vida em sociedade. A natureza determinou tudo quanto é lícito e justo; pela própria lei da natureza, é mais terrível fazer o mal do que sofrê-lo; em obediência à natureza, as nossas mãos devem estar prontas a auxiliar quem delas necessite.
Textos sobre Amor de Séneca
7 resultadosTodos Somos Escravos
Não há razão, caro Lucílio, para só buscares amigos no foro ou no senado: se olhares com atenção encontrá-los-ás em tua casa. Muitas vezes um bom material permanece inutilizado por falta de quem o trabalhe. Tenta, pois, e vê o resultado. Tal como é estupidez comprar um cavalo inspeccionando, não o animal, mas sim a sela e o freio, assim é o cúmulo da estupidez julgar um homem pela roupa ou pela condição social, que, de resto, é tão exterior a nós como a roupa. «É um escravo». Mas pode ter alma de homem livre. «É um escravo». Mas em que é que isso o diminui? Aponta-me alguém que o não seja: este é escravo da sensualidade, aquele da avareza, aquele outro da ambição, todos são escravos da esperança, todos o são do medo.
Posso mostrar-te um antigo cônsul sujeito ao mando de uma velhota, um ricalhaço submetido a uma criadita, posso apontar-te jovens filhos de nobilíssimas famílias que se fazem escravos de bailarinos: nenhuma servidão é mais degradante do que a voluntariamente assumida. Aí tens a razão por que não deves deixar que os nossos tolos te impeçam de seres agradável para com os teus escravos, em vez de os tratares com altiva superioridade.
A Felicidade de uma Razão Perfeita
Creio que estaremos de acordo em que é para proveito do corpo que procuramos os bens exteriores; em que apenas cuidamos do corpo para benefício da alma, e em que na alma há uma parte meramente auxiliar – a que nos assegura a locomoção e a alimentação – da qual dispomos tão somente para serviço do elemento essencial. No elemento essencial da alma há uma parte irracional e outra racional; a primeira está ao serviço da segunda; esta não tem qualquer ponto de referência além de si própria, pelo contrário, serve ela de ponto de referência a tudo. Também a razão divina governa tudo quanto existe sem a nada estar sujeita; o mesmo se passa com a nossa razão, que, aliás, provém daquela.
Se estamos de acordo nesse ponto, estaremos necessariamente também de acordo em que a nossa felicidade depende exclusivamente de termos em nós uma razão perfeita, pois apenas esta impede em nós o abatimento e resiste à fortuna; seja qual for a sua situação, ela manter-se-á imperturbável. O único bem autêntico é aquele que nunca se deteriora.
O homem feliz, insisto, é aquele que nenhuma circunstância inferioriza; que permanece no cume sem outro apoio além de si mesmo,
A Ira não Escolhe Idade nem Estatuto Social
A ira não escolhe idade nem estatuto social. Algumas pessoas, graças à sua indigência, não conhecem a luxúria; outros, porque têm uma vida movimentada e errante, escapam à preguiça; aqueles que têm modos rudes e uma vida rústica desconhecem as prisões, as fraudes e todos os males da cidade: mas ninguém está livre da ira, tão poderosa entre os Gregos como entre os bárbaros, tão funesta entre aqueles que temem as leis como entre aqueles que se regem pela lei da força. Assim, se outras afecções atacam os indivíduos, a ira é a única afecção que, por vezes, se apodera de um povo inteiro. Nunca um povo inteiro ardeu de amor por uma mulher, nem uma cidade inteira depositou toda a sua esperança no dinheiro e no lucro; a ambição apossa-se de indivíduos, a imoderação não é um mal público.
Por vezes, uma multidão inteira é conduzida à ira: homens e mulheres, velhos e novos, os principais cidadãos e o vulgo são unânimes, e toda a multidão agitada por algumas palavras sobrepõe-se ao próprio agitador: corre a pegar em armas e tochas e declara guerra ao seu vizinho e fá-la contra os seus concidadãos; casas inteiras são queimadas com toda a família e aquele cuja eloquência lhe granjeara muitos benefícios é eliminado pela ira que as suas palavras geraram;
Atenção ao Estilo Rebuscado e Cheio de Adornos
Quando vires alguém com um estilo rebuscado e cheio de adornos podes ter a certeza de que a sua alma apenas se ocupa igualmente de bagatelas. Uma alma verdadeiramente grande é mais tranquila e senhora de si a falar, e em tudo quanto diz há mais firmeza do que preocupação estilística. Tu conheces bem os nossos jovens elegantes, com a barba e o cabelo todo aparado, que parecem acabadinhos de sair da fábrica! De tais criaturas nada terás a esperar de firme ou sólido. O estilo é o adorno da alma: se for demasiado penteado, maquilhado, artificial, em suma, só provará que a alma carece de sinceridade e tem em si algo que soa a falso. Não é coisa digna de homens o cuidado extremo com o vestuário! Se nos fosse dado observar “por dentro” a alma de um homem de bem — oh! que figura bela e venerável, que fulgor de magnificente tranquilidade nós contemplaríamos, que brilho não emitiriam a justiça, a coragem, a moderação e a prudência! E não só estas virtudes, mas ainda a frugalidade, o autodomínio, a paciência, a liberalidade, a gentileza e essa virtude, incrivelmente rara no homem, que é a humanidade — também estas fariam jorrar sobre a alma o seu sublime esplendor!
A Força da Ignorância
Por que causa a ignorância nos mantém agarrados com tanta força? Primeiro, porque não a repelimos com suficiente energia nem usamos todas as nossas forças para nos libertarmos dela; depois, porque não confiamos o bastante nas lições dos sábios nem as interiorizamos como devíamos, antes tratamos uma tão magna questão de forma leviana. Como pode alguém, aliás, aprender suficientemente a lutar contra os vícios se apenas dedica a esse estudo o tempo que os vícios lhe deixam livre?…
Nenhum de nós aprofunda bastante esta matéria; abordamos o assunto pela rama e, como gente extremamente ocupada, achamos que dedicar umas horas à filosofia é mais do que suficiente. E o que mais nos prejudica é a facilidade com que o nosso amor próprio se satisfaz. Se encontramos alguém que nos ache homens de bem, homens esclarecidos e irrepreensíveis, logo nos mostramos de acordo! Nem sequer nos contentamos com louvores comedidos: tudo quanto a adulação despudoradamente nos atribui, nós o assumimos como de pleno direito. Se alguém nos declara os melhores e mais sábios do mundo, nós assentimos, mesmo quando sabemos que esse alguém é useiro e vezeiro na mentira! A nossa autocomplacência vai mesmo tão longe que pretendemos ser louvados em nome de princípios que as nossas acções frontalmente desmentem (…) A consequência é que ninguém mostra vontade de corrigir o seu carácter,
A Recompensa de Todas as Virtudes Reside na Sua Prática
Devemos fazer tudo no sentido de sermos tão gratos quanto possível. A gratidão é um bem que nos pertence a nós, assim como a justiça (ao contrário do que vulgarmente se crê) tira o seu valor mais de si mesma do que da aplicação aos outros. Cada um de nós ao ser útil aos outros, é útil a si mesmo. Não digo isto no sentido de cada um pretender ajudar quando é ajudado, proteger quando é protegido, ou no sentido de que um bom exemplo acaba por redundar em benefício do seu autor (tal como os maus exemplos recaem nos seus autores – e por isso ninguém tem pena das vítimas de injúrias que as próprias vítimas, por também as fazerem, mostram ser possíveis); quero, sim, dizer é que a recompensa de todas as virtudes reside na sua prática! Não é com vista a obter uma recompensa que nós as praticamos: o prémio de uma acção correcta é essa mesma acção! Eu não me mostro grato para que um outro, levado pelo meu exemplo, me faça um favor de melhor vontade, mas porque a gratidão provoca um sentimento da mais pura e bela alegria. Não me mostro grato porque isso me possa ser útil,