O Homem Primitivo Moderno
Reparai num homem civilizado, rico, inteligente e feliz; olhai-o bem; tirai-lhe o chapéu alto, o casaco, as botas de verniz; despi-o, enfim: vereis a miséria da carne tentando um feroz regresso às formas caricatas do orogotango inicial.
Ide mais longe; penetrai-lhe o esqueleto, atravessai-lhe as entranhas: vereis entĂŁo a maior das pobrezas, a misĂ©ria absoluta, a ausĂȘncia de alma.
Sim: conforme a alma vai desaparecendo, o corpo vai-se sumindo e, apagando nas indecisas, grosseiras formas originĂĄrias. Por cada sentimento que morre, o cĂłccix aumenta um elo.
As criaturas de que se compĂ”e a parte dominante da sociedade, estĂŁo jĂĄ mais prĂłximas do macaco do que do homem. As abas da casaca sĂŁo feitas para encobrir os primeiros movimentos comprometedores da cauda… a bota de verniz tenta apertar e reduzir o pĂ© que principia a prolongar-se assustadoramente. A luva realiza, nas mĂŁos, o mesmo papel hipĂłcrita…
Continuai na vossa anĂĄlise do homem civilizado que parou agora, alĂ©m, em frente duma vitrine de ourives, atraĂdo, como os moscardos, pelo fulgor dos brilhantes, das esmeraldas, dos rĂșbis, dos topĂĄzios, de todas as pedras, enfim, que o homem nĂŁo pode atirar ao seu semelhante.
Olhai-o bem; a primeira coisa que nos fere Ă© a hostilidade que se exala de toda a sua fisionomia.
Textos sobre AusĂȘncia de Teixeira de Pascoaes
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