Catolicismo e Comunismo
Ao contrário do catolicismo, o comunismo nĂŁo tem uma doutrina. Enganam-se os que supõem que ele a tem. O catolicismo Ă© um sistema dogmático perfeitamente definido e compreensĂvel, quer teologicamente, quer sociologicamente. O comunismo nĂŁo Ă© um sistema: Ă© um dogmatismo sem sistema — o dogmatismo informe da brutalidade e da dissolução. Se o que há de lixo moral e mental em todos os cĂ©rebros pudesse ser varrido e reunido, e com ele se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o Ă© tudo quanto dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nĂłs.
O comunismo não é uma doutrina porque é uma antidoutrina, ou uma contradoutrina. Tudo quanto o homem tem conquistado, até hoje, de espiritualidade moral e mental — isto é de civilização e de cultura —, tudo isso ele inverte para formar a doutrina que não tem.
Textos sobre Baixo de Fernando Pessoa
4 resultadosA Arte de Representar
A base da representação é a falsidade. A arte do ator consiste em servir-se do drama do autor para mostrar por meio dele a sua capacidade de interpretação. A peça é como uma barra onde o actor mostra as suas habilidades ginásticas. É apenas limitado pelas condições necessárias de uma barra: pode fazer com ela apenas um número limitado de coisas, mas pode fazer de mil formas individuais.
A representação, repito, tem todo o atractivo de uma falsificação. Todos adoramos um falsificador. É um sentimento muito humano e completamente instintivo. Todos adoramos a trapaça e a imitação. A representação une e intensifica, por meio do carácter material e vital das suas manifestações, todos os baixos instintos do instinto artĂstico — o instinto do enigma, o instinto do trapĂ©zio (…). É popular e apreciado por estas razões, ou antes, por esta razĂŁo.
A sede de glória do artista é feita carne na sede de aplauso do actor. Todo o aparecimento em público é baixo. Todas as assembleias são multidões, e se não suadas de corpo, pelo menos suadas de emoções.
Todos os espĂritos grosseiros adoram falar. Ser falador Ă© já por si vulgar. A Ăşnica coisa que torna a verbosidade interessante Ă© a profanidade e a obscenidade,
Meu Bebé para Dar Dentadas
Meu Bebé pequeno e rabino:
Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa cousa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «não estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto é uma cousa, como tu sabes, com que tu não tens nada…
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto também. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado.)
NĂŁo te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira Ă© a de este papel (o Ăşnico acessĂvel agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda Ă© a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplĂŞndido,
Todo o Esforço se Desvia
Todo esforço, qualquer que seja o fim para que tenda, sofre, ao manifestar-se, os desvios que a vida lhe impõe; torna-se outro esforço, serve outros fins, consuma por vezes o mesmo contrário do que pretendera realizar. SĂł um baixo fim vale a pena, porque sĂł um baixo fim se pode inteiramente efectuar. Se quero empregar meus esforços para conseguir uma fortuna, poderei em certo modo consegui-la; o fim Ă© baixo, como todos os fins quantitativos, pessoais ou nĂŁo, e Ă© atingĂvel e verificável. Mas como hei-de efectuar o intento de servir minha pátria, ou alargar a cultura humana, ou melhorar a humanidade? Nem posso ter a certeza dos processos nem a verificação dos fins.