Maior do que o desejo de alimento e bebida é a ambição da avareza em adquirir e possuir bens
Maior do que o desejo de alimento e bebida é a ambição da avareza em adquirir e possuir bens.
Textos sobre Bebidas
15 resultadosNão Será Tempo de Voltarmos aos Sentidos?
Não somos apenas o nosso corpo, estamos também integrados num corpus social, que solicita, expande e reprime a nossa sensibilidade. Basta ouvir aquele que foi o maior teórico da comunicação do século XX, Marshall McLuhan, para perceber até que ponto isso é aproveitado pela sociedade de comunicação global, para quem o indivíduo passa a ser uma presa. O que diz McLuhan sobre a televisão, por exemplo, é imensamente elucidativo: «Um dos efeitos da televisão é retirar a identidade pessoal. Só por ver televisão, as pessoas tornam-se num grupo coletivo de iguais. Perdem o interesse pela singularidade pessoal.» Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. «Viste aquilo?», «já ouviste a última do…»: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir. O mesmo se passa com a locomoção: seja a pilotar um avião, a conduzir um automóvel, ou seja o peão a deslocar-se nas artérias das cidades modernas,
A Subfelicidade
O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.
O que mais dói é a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando. Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse. Mas é: a subfelicidade é. A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daí.
Vida de Escritor
É fácil reconhecer em mim a concentração de todas as minhas forças sobre a escrita. Quando se tornou claro no meu organismo que escrever era a direcção mais produtiva que podia tomar o meu ser, tudo correu para esse lado e deixou-me vazio de todas as capacidades que se dirigiam para as alegrias do sexo, da comida, da bebida, da reflexão filosófica e, acima de tudo, da música. Eu atrofiava em todas estas direcções. Isto era necessário porque a totalidade das minhas forças é tão leve que só colectivamente é que elas podiam semi-servir a finalidade da minha escrita. É claro que não encontrei esta finalidade independentemente ou conscientemente, ela encontrou-se a si própria e só o escritório interfere com ela, e interfere completamente. De qualquer modo, eu não me devia queixar pelo facto de não conseguir ter uma namorada, de perceber exactamente tanto de amor como de música e de ter de me resignar nos esforços mais superficiais de que posso lançar mão, de na noite de fim de ano ter jantado escorcioneira e espinafres com um quarto de Ceres e de no domingo não ter podido participar na leitura que Max fez dos seus trabalhos filosóficos; a compensação de tudo isto é clara como o dia.
Felicidade e Prazer
Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males,
O Mais Infalível Veneno é o Tempo
Tabaco, café, álcool, ácido prússico, estricnina — todos não passam de poções diluídas: o mais infalível veneno é o tempo. Essa taça, que a natureza nos põe nos lábios, possui uma propriedade maravilhosa que supera qualquer outra bebida. Ela abre os sentidos, adiciona poder e povoa-nos de sonhos exaltados, a que chamamos esperança, amor, ambição, ciência. Em particular, ela desperta o desejo por maiores doses de si. Mas aqueles que tomam as maiores doses ficam embriagados, perdem estatura, força, beleza e sentidos, e terminam em fantasia e delírio. Nós adiamos o nosso trabalho literário até que tenhamos maturidade e técnica para escrever, mas um dia descobrimos que o nosso talento literário não passava de uma efervescência juvenil que perdemos.
O Amor e o Vinho
Pense-se, por exemplo, na relação que existe entre o bebedor e o vinho. Não é verdade que o vinho oferece sempre ao bebedor a mesma satisfação tóxica, que a poesia tem comparado com frequência à satisfação erótica — comparação, de resto, aceitável do ponto de vista científico? Já alguma vez se ouviu dizer que o bebedor fosse obrigado a mudar sem descanso de bebida porque se cansaria rapidamente de uma bebida que permanecesse a mesma? Pelo contrário, a habituação estreita cada vez mais o laço entre o homem e a espécie de vinho que ele bebe. Existirá no bebedor uma necessidade de partir para um país onde o vinho seja mais caro ou o seu consumo proibido, a fim de estimular por meio de semelhantes obstáculos a sua satisfação decrescente? De modo nenhum. Basta escutarmos o que dizem os nossos grandes alcoólicos, como Bócklin, da sua relação com o vinho: evocam a harmonia mais pura e como que um modelo de casamento feliz.
Um Infinito Domingo à Tarde
Regra geral, um ser humano agora vive tanto que acaba por arrastar muito mais penas do que as que lhe dizem respeito, e isso acaba por notar-se-lhe no rosto. Uma das consequências da crescente longevidade do habitante das sociedades desenvolvidas, em que, por outro lado, não se costuma pensar demasiado, é que, contrariamente ao que sucedia há algumas décadas, os velhos de hoje têm tempo para assistir à devastação da vida dos filhos, veem-nos praticamente envelhecer, fracassar, cansar-se da luta. Antes, na hora da morte dos pais, os filhos eram ainda fortes, tinham projetos, mulheres bonitas, um futuro aparentemente luminoso. Agora é fácil que um avô contemple antes de morrer o divórcio do neto (vê-o aos domingos sentar-se à mesa na casa da família, sem um cêntimo, com a camisa amarrotada), enquanto no mundo anterior a este, por razões de tempo, o neto não era mais do que uma criança que às vezes ia buscar ã escola, a quem dava a mão no regresso a casa e ajudava a conseguir nos alfarrabistas os cromos que lhe faltavam na sua coleção de futebolistas. Hoje, o velho que morre não abandona um mundo em marcha cheio de projetos e promessas, como sucedia dantes,
O Elixir do Prazer
Que é, pois, o que se opera na alma, quando se deleita mais com as coisas encontradas ou reavidas que estima, do que se as possuísse sempre? Há, na verdade, muitos outros exemplos que o afirmam. Abundam os testemunhos que nos gritam: -«É assim mesmo!». Triunfa o general vitorioso. Mas não teria alcançado a vitória se não tivesse pelejado e quanto mais grave foi o perigo no combate, tanto maior é o gozo no triunfo. A tempestade arremessa os marinheiros, ameaçando-os com o naufrágio: todos empalidecem com a morte iminente. Mas tranquilizam-se o céu e o mar, e todos exultam muito, porque muito temeram. Está doente um amigo e o seu pulso acusa perigo. Todos os que o desejam ver curado sentem-se simultaneamente doentes na alma. Melhora. Ainda não recuperou as forças antigas e já reina tal júbilo qual não existia antes, quando se achava são e forte.
Até os próprios prazeres da vida humana não se apossam do coração do homem só por desgraças inesperadas e fortuitas, mas por moléstias previstas e voluntariamente procuradas. Não há prazer nenhum no comer e beber, se o incómodo da fome e da sede o não precede. Por isso, os ébrios costumam tomar certos alimentos salgados,
Para um Grande Espírito Nada há que Seja Grande
Evitai tudo quanto agrade ao vulgo, tudo quanto o acaso proporciona; diante de qualquer bem fortuito parai com desconfiança e receio: também a caça ou o peixe se deixa enganar por esperanças falacciosas. Julgais que se trata de benesses da sorte? São armadilhas! Quem quer que deseje passar a vida em segurança evite quanto possa estes benefícios escorregadios nos quais, pobres de nós, até nisto nos enganamos: ao julgar possuí-los, deixamo-nos apanhar! Esta corrida leva-nos para o abismo; a única saída para uma vida «elevada», é a queda!
E mais: nem sequer poderemos parar quando a fortuna começa a desviar-nos da rota certa, nem ao menos ir a pique, cair instantaneamente: não, a fortuna não nos faz tropeçar, derruba-nos, esmaga-nos.
Prossegui, pois, um estilo de vida correcto e saudável, comprazendo o corpo apenas na medida do indispensável à boa saúde. Mas há que tratá-lo com dureza, para ele obedecer sem custo ao espírito: limite-se a comida a matar a fome, a bebida a extinguir a sede, a roupa a afastar o frio, a casa a servir de abrigo contra as intempéries. Que a habitação seja feita de ramos ou de pedras coloridas importadas de longe, é pormenor sem interesse: ficai sabendo que para abrigar um homem tão bom é o colmo como o ouro!
Génio, Talento e Celebridade
Pode-se supor que a presença no mesmo homem de mais de um elemento intelectual facilitaria a sua imediata celebridade. Até certo limite é assim, mas o é até um limite menor do que se poderia conjecturar na ociosidade da hipótese. Um homem dotado ao mesmo tempo de grande génio e de grande inteligência (como Shakespeare), ou de grande génio e grande talento (como Milton), não acumula na sua época ou na seguinte os resultados do génio e os resultados de outra qualidade. É que estes diferentes elementos intelectuais estão misturados por coexistirem no homem, e derrama-se na substância da inteligência ou do talento o sagrado veneno do génio; a bebida é amarga, embora retenha algo do seu gosto comum. Os antigos misturavam mel com vinho e achavam isso gostoso; mas o néctar não pode fazer qualquer vinho gostoso ao paladar da gente comum.
Um homem que pudesse ter em si próprio, em certo grau, génio, talento e inteligência, estaria preparado para produzir impacto no seu tempo pela sua inteligência, na sua época pelo seu talento e na generalidade dos futuros tempos e épocas pelo seu génio. Mas como o seu génio afectaria o seu talento e o seu talento e o seu génio a sua inteligência –
Saber Contornar As Vicissitudes
Quando estamos febris, tudo quanto provamos nos parece amargo e desagradável, mas, ao vermos outrem saborear as mesmas iguarias sem fazer cara feia, não mais culpamos a comida ou a bebida: culpamo-nos a nós mesmos e ao nosso destempero. De modo similar, desistimos de incriminar as circunstâncias e de com elas nos preocupar quando vemos outrem aceitando as mesmas circunstâncias plácida e alegremente. Quando as coisas não correm na medida dos nossos desejos, muito contribuirá para o nosso contentamento pensarmos nas coisas agradáveis e encantadoras que nos pertencem; na mistura, o melhor eclipsa o pior. Quando os nossos olhos são ofuscados pela claridade excessiva, nós acalmamo-los olhando para a verde relva e para as flores; todavia, mantemos a mente absorta com o que é penoso e forçamo-la a remoer sem trégua os vexames, desviando-a violentamente de pensamentos mais reconfortantes.
O Homem – Uma Mácula da Natureza
Existe no mundo apenas um ser mentiroso: o homem. Todos os outros seres são verdadeiros e sinceros, pois mostram-se abertamente como são e manifestam o que sentem. Uma expressão emblemática ou alegórica dessa diferença fundamental é o facto de que todos os animais andam com o seu aspecto natural, o que contribui bastante para a impressão agradável que se tem ao vê-los; especialmente quando se trata de animais livres, tal visão enche o meu coração de alegria. Em contrapartida, devido ao seu vestuário, o ser humano tornou-se uma caricatura, um monstro; o simples facto de vê-lo é ja algo de repugnante, que se destaca até pelo branco da sua pele, tão natural a ele, e pelas consequências repulsivas da sua alimentação à base de carne, que vai contra a natureza, bem como das bebidas alcoólicas, do tabaco, dos excessos e das doenças.
Exercitar a Vontade Naquilo que Podemos Ter de Melhor
Ponho-me a pensar na quantidade dos que exercitam o físico, e na escassez dos que ginasticam a inteligência; na afluência que têm os gratuitos espectáculos desportivos, e na ausência de público durante as manifestações culturais; enfim, na debilidade mental desses atletas de quem admiramos as espáduas musculadas. E penso sobreutdo nisto: se o corpo pode, à força de treino, atingir um grau de resistência tal que permite ao atleta suportar a um tempo os murros e pontapés de vários adversários, que o torna apto a aguentar um dia inteiro sob um sol abrasador, numa arena escaldante, todo coberto de sangue – não será mais fácil ainda dar à alma uma tal robustez que a torne capaz de resistir sem ceder aos golpes da fortuna, capaz de erguer-se de novo ainda que derrubada e espezinhada?! De facto, enquanto o corpo, para se tornar vigoroso, depende de muitos factores materiais, a alma encontra em si mesma tudo quanto necessita para se robustecer, alimentar, exercitar. Os atletas precisam de grande quantidade de comida e bebida, de muitos unguentos, sobretudo de um treino intensivo: tu, para atingires a virtude, não precisarás de dispender um tostão em equipamento! Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem existe dentro de ti.
Como se Faz uma Declaração de Amor?
Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do género «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anónimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objectivo, e não de grau.
Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois,