Luto por uma Novidade de EspĂrito
Procuro me manter isolada contra a agonia de viver dos outros, e essa agonia que lhes parece um jogo de vida e morte mascara uma outra realidade, tĂŁo extraordinária essa verdade que os outros cairiam de espanto diante dela, como num escândalo. Enquanto isso, ora estudam, ora trabalham, ora amam, ora crescem, ora se afanam, ora se alegram, ora se entristecem. A vida com letra maiĂşscula nada pode me dar porque vou confessar que tambĂ©m eu devo ter entrado por um beco sem saĂda como os outros. Porque noto em mim, nĂŁo um bocado de fatos, e sim procuro quase tragicamente ser. É uma questĂŁo de sobrevivĂŞncia assim como a de comer carne humana quando nĂŁo há alimento. Luto nĂŁo contra os que compram e vendem apartamentos e carros e procuram se casar e ter filhos mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espĂrito. Cada vez que me sinto quase um pouco iluminada vejo que estou tendo uma novidade de espĂrito.
Minha vida é um reflexo deformado assim como se deforma num lago ondulante e instável o reflexo de um rosto. Imprecisão trémula. Como o que acontece com a água quando se mergulha a mão na água.
Textos sobre Bocados de Clarice Lispector
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